O cantor e compositor paraibano Zé Ramalho, que em livro biográfico foi chamado de “Poeta dos Abismos” por Henri Koliver, completa, hoje, 70 anos de idade, festejado como um dos maiores intérpretes da Música Popular Brasileira e um ícone do repente, com o qual se familiarizou a partir das origens em Brejo do Cruz, na microrregião 89, polarizada por Catolé do Rocha. Zé Ramalho se define: “Uma parte do Nordeste é o portão do inferno. Essa é a minha origem. Quando nasci, meu umbigo foi cortado por uma parteira, com uma peixeira, à luz de candeeiro, com o dia amanhecendo. As dificuldades eram muitas. Meu irmão, que não conheci, nasceu morto. Vim de um período longínquo. Conheci o mar com 10 anos de idade. Meu pai morreu afogado em um açude no sertão da Paraíba, quando eu tinha dois anos, e eu não tenho lembranças dele. Fui criado pelo meu avô, José Alves Ramalho, pela minha avó Soledade e pelas minhas tias. Nunca me dispus a sondar os motivos que levaram minha mãe a me deixar para ser criado por meus avós. Sei que deve ter sido uma coisa traumática para a época e a família; houve um desentendimento entre as famílias de minha mãe e de meu avô”.
Quando Zé tinha seis anos, acompanhou a mudança para Campina Grande e foi lá que viu pela primeira vez a luz elétrica e tomou contato com o rádio. “Meu velho Avôhai queria que a família tivesse acesso a tudo isso (…) Foi em Campina que escutei pela primeira vez as músicas da Jovem Guarda, mas levei um tempo até despertar a vontade de tocar um instrumento, o que aconteceu mais tarde, já em João Pessoa”, narra o artista. Permaneceu em Campina Grande até os 14 anos e se transferiu para João Pessoa, “onde as coisas começaram a acontecer”. A partir do conjunto, Os Jets, que se apresentava em bailes, em casas de amigos, em aniversários. A Beatlemania e a Jovem Guarda, segundo Zé, foram fundamentais para a sua formação artística, constituindo fontes de inspiração decisivas. Participou do melhor grupo de João Pessoa, “Os Quatro Loucos”, que fazia um trabalho pioneiro. Entrou para substituir Vital Farias, que na época era o solista do grupo. Depois de entrar na faculdade de medicina, Zé começou a viajar com o grupo para outros Estados. “Esse foi um dos períodos mais férteis da minha vida, em que a cabeça começou a se abrir: a contracultura, os hippies, o movimento Flower Power, o psicodelismo, a descoberta das drogas, sobretudo a maconha….tudo isso mexeu muito comigo”. Na época em que morava no Nordeste passou a ler muito, enveredando por temas diversificados – esotéricos até.
Zé Ramalho confessa que em certa época era muito revoltado com João Pessoa, a cidade onde residia. “As pessoas me xingavam muito, eu era considerado um estorvo para a sociedade, olhavam-me como se eu fosse nocivo, perigoso. Só o que me deu realmente segurança, tratando-se de música, foi a descoberta do universo nordestino”. O cantor confessa que numa das viagens para João Pessoa, viveu experiências com cogumelos, o que lhe marcou profundamente. “Nunca usei isso para ficar doidão. Procurava extrair coisas que pudesse aproveitar em meu trabalho, percepções e revelações, surgidas por meio dessas experiências”, conta. Ele passou a ir ao Rio em 1975, convidado por Alceu Valença a fazer parte de um grupo que o acompanharia no festival da Globo chamado “Abertura”. Nessa época trabalhava em Recife, com muitos músicos de Pernambuco, e estava querendo ampliar seus horizontes. Fez o álbum duplo “Paêbirú”, com Lula Cortês, e conheceu Alceu Valença.
– Ralei muito no Rio, mas nunca pensei que meu projeto não daria certo. Sabia que cedo ou tarde as portas se abririam mas tinha de ficar na cidade, fuçando, girando. Havia shows coletivos nos quais eu me enfiava. Já conhecia o Fagner, o Geraldo Azevêdo e quando eu me infiltrava e cantava minhas músicas, sempre havia uma reação muito positiva do público. Tanto que quando meu primeiro disco foi lançado, muita gente já conhecia as músicas – relata Zé Ramalho, cujo nome completo é José Ramalho Neto. O crítico de música e artes Sílvio Osias, do “Jornal da Paraíba online”, afirma que lembra de Zé Ramalho jovem, na João Pessoa do início dos anos 70. Vindo dos conjuntos de baile, misturava o Nordeste com o rock dos Beatles, “já era louco pelos nossos violeiros e por Bob Dylan. Foi o Zé que vi ao vivo em show que me impressionou muito, “Atlântida”. Tinha uma pegada profissional. Revelava a força do artista no palco. Vinha com um repertório autoral incrível”. Sílvio revela que quando fez “Avôhai”, Zé cantou a música de joelhos, diante do avô, o velho José Ramalho, que era a um só tempo seu avô e seu pai. Para Osias, “Avôhai” e “Admirável Gado Novo” são os dois maiores momentos do caminho autoral do artista paraibano. “São canções que trazem a sua originalíssima assinatura e que podem sintetizar o seu cancioneiro”, revela, pontuando que Zé Ramalho orgulha a Paraíba.
Nonato Guedes