Recife é bem ali. Não é necessariamente uma metrópole. Eu gosto do Recife pegando fogo na pisada no maracatu de Gilberto Gil. Recife tem uma alma de cidade suburbana. Acho que nem isso… tem um povo ali que só pode ter vindo de um mundo paralelo. Recife fede. Toda cidade fede. Aliás, quando a gente pergunta onde fica a Rua do Hospício, o recifense nos aponta para Cemitério dos Ingleses, em Santo Amaro. Pow!
Impressionante mesmo é a cantora Bethânia cantando Frevo número 2 do Recife “Ai, ai, saudade, Saudade tão grande, Saudade que eu sinto, Do Clube dos Pás, dos Vassouras.
Passistas traçando tesouras, Nas ruas repletos de lá”, do pernambucano Antônio Maria. Queria encontrar o Maria nas pontes do Recife, eu e Pat Roberto, numa manhã, tão bonita manhã.
Além dos tubarões voadores, Recife tem a alma de Dora da canção de Caymmi, mas eu queria mudar de assunto imediatamente. Toda vez que escuto Dora choro pensando na liberdade guardiã. Como assim? Eu quero abraçar no dia de amanhã, o avô de Vítor, mestre Raul Córdula na ladeira mais próxima do varadouro, ali em Olinda, quero cantar. Lá vem o carnaval.
Daí conclui que puxei a meu tio David, irmão de minha mãe. O cara era genial. Ele tinha uma coleção de revista de mulher nua e adorava casacos – leia-se blazeres. E gostava de gostar das pessoas, deve ser por isso que eu também soul do clã do Djavan. Sou filho de Iansã e adoro beijos com sabores.
Voltemos ao Recife. Faz tempo. Estava andando pelo Shopping Center Recife procurando um penico para urinar, entro numa loja TNG e vejo um blazer grafite. A dona foi logo dizendo; “É sua cara”. Minha cara é como, dona?
A mulher disse que eu tinha cara de bacana, de mulato nato do litoral mas eu nasci no sertão de mim: “inclusive, por isso que esse blazer é sua cara”. Mas dona minha cara não tem nada a ver com o seu penteado.
Tenho cara do mundo, das pessoas apressadas, cara do roda moinho, cara do mar, tenho cara da mulata e de uma roda de samba, mas não tenho cara de blazer. Prove? “Prove, vai ficar ótimo com essa sua calça jeans”, insistia ela e o K precisava pegar o ultimo trem para uma ilusão passageira.
Aí fui me lembrando que só no Brasil a propaganda ainda é alma do negócio, mas ela faltou me perguntar miaeiro, aquele, que Chico César me deu quando estive com ele no Rio de Janeiro.
Nem bem sai do provador ela estava ao meu lado, fazendo elogios, me chamando de Narciso. “Tá vendo senhor, é sua cara, bem que eu disse. Já pode ir vestido com ele”.. Nessa hora pensei em dizer muito obrigado, a senhora é muito gentil, até outra vez, até nunca mais. Mas eu ainda estava no espelho, espelho meu existe alguém mais feio do que eu?
“É sua cara e custa apenas 197 reais, um precinho camarada, não acha? E dividimos no cartão”, insistia a mulher, que não era linda, nem feia, era pequena, quase uma tartaruga. Sei lá, entre eu e ela não havia uma loucura, só desejo que eu comprasse o blazer, que cá pra nós, é bacana, mas já envelheceu, desbotou, buá.
Então, tá. Aceita débito em conta? “Mas o senhor não quer que eu divida?”. Dona, eu estava indo urinar e entrei aqui por acaso… Quando passou o código de barra, ela disse: “meu senhor, o blazer está mais barato, custa só 90 reais. Homi passe logo esse cartão, antes que eu mije nas calças.
Nessa hora comecei a rir e ela também, e nos agarramos, e rimos e sumimos nós dois pelas vitrines do Shopping bolando de rir.
Tá vendo, ela tinha razão: o blazer é a cara. Não pedi sua opinião, você não pediu a minha?