O líder político mais importante e reverenciado pelo Nordeste está na prisão, cumprindo pena sob acusação de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Luiz Inácio Lula da Silva, que nasceu em 1945 e fará aniversário neste mês de outubro, nasceu em Caetés, no interior de Pernambuco, numa região pobre, castigada pelo fenômeno da seca. Foi para São Paulo num carro que era denominado de “pau de arara” e transportava para o Sul famílias de retirantes castigadas pela estiagem e pelas dificuldades de sobrevivência.
No chão em que ele nasceu faltavam pão e água. “A minha história é uma história sem alegria”, contou ele em depoimento ao jornalista Audálio Dantas, já falecido, abordando a sua trajetória a partir do Nordeste. Em São Paulo, aproximou-se de operários metalúrgicos e chegou à presidência do Sindicato da categoria, um dos mais representativos do país e da América Latina. Lula comandou assembleias históricas em São Bernardo do Campo, palco de deliberações sobre greves nas portas de fábrica, onde piquetes eram montados para evitar furos na paralisação. Enfrentou uma prisão e ameaça de enquadramento na Lei de Segurança Nacional. Mas, com habilidade, pavimentou o caminho para forçar os patrões a negociarem com os grevistas e cederem na pauta de demandas, o que ocorreu.
O maior feito de Lula em benefício da região que lhe deu régua e compasso foi a transposição das águas do rio São Francisco, interligando vários Estados do Nordeste. A promessa havia sido feita ainda por dom Pedro no Império, com o argumento de que venderia a última joia da Coroa para salvar o povo nordestino vítima da calamidade da estiagem. Acabou sendo pelas mãos de um nordestino a concretização do sonho que, conforme prometido, iria significar a redenção do Nordeste. Lula, antes de ser preso, teve a felicidade de compartilhar a chegada das águas da transposição em diferentes eixos de variados Estados da região. Isto se deu, por exemplo, no cariri paraibano, onde ele foi recepcionado pelo ex-governador Ricardo Coutinho (PSB), juntamente com a presidente Dilma Rousseff. O cronograma de obras da transposição tem sofrido problemas burocráticos e até mesmo interrupção no bombeamento de água no governo Bolsonaro. Nem por isso grande parte dos nordestinos deixa de reconhecer o mérito de Lula.
No período em que atuava na militância sindical, Lula mantinha distância de partidos políticos e não se alinhava com o comunismo. Acreditava que os trabalhadores eram massa de manobra dos grupos econômicos poderosos e influentes, especialmente no Nordeste, onde por muito tempo vigorou o bico de pena, o voto de cabresto, incentivado por oligarquias. Com o tempo, Lula descobriu – e foi convencido – de que precisava entrar na política-partidária para fazer as coisas andarem. A maior ousadia que ele cometeu foi criar um Partido dos Trabalhadores, para se contrapor a legendas tradicionais que revezavam a hegemonia política no Nordeste. Ele foi deputado federal e marcou presença na Assembleia Nacional Constituinte, mas era um crítico das limitações do Legislativo.
Quando as eleições diretas para presidente da República foram restauradas, Lula lançou-se candidato em 1989, num cenário pulverizado e marcado pelas presenças de figuras de expressão da política nacional. Logrou ir para o segundo turno, passando por cima de candidatos como Leonel Brizola e Ulysses Guimarães. No segundo turno, o embate se deu com Fernando Collor de Melo, que fizera fama com o apelido de “caçador de marajás” do serviço público quando era governador de Alagoas. Collor saiu vitorioso, mas sofreu impeachment em 1992, acusado de envolvimento com irregularidades comandadas pelo esquema PC Farias. Lula manteve a persistência e continuou se candidatando a presidente, mesmo diante de desigualdades.
Em 2002, ele finalmente ascendeu à presidência da República, derrotando José Serra, do PSDB, e tendo como vice o empresário José Alencar, de Minas Gerais. Em 2006 Lula foi reeleito, mas já aí eclodiram os primeiros problemas, com denúncias sobre “mensalão” que era pago a parlamentares da base governista para que votassem em prol de matérias do governo. Em 2010, Lula indicou uma ilustre desconhecida, Dilma Rousseff, como candidata, e contribuiu decisivamente para sua eleição. Em 2014, Dilma disputou a reeleição e elegeu-se em páreo acirradíssimo. A ex-presidente foi alvo de um processo de impeachment por suposta prática de pedaladas fiscais e outras irregularidades. No ano passado deu-se a prisão de Lula, por determinação do ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça. Arrolado em vários processos, Lula cumpre pena na Superintendência da PF em Curitiba. Os lulistas mais fanáticos acreditam que está próxima a sua liberdade, mas o próprio Lula tem dito que só lhe interessa a liberdade conjugada com a sua absolvição ou a declaração de sua inocência. O caso é um quebra-cabeças para ministros do Supremo Tribunal, que decretarão s ele sai ou não da prisão e se estará elegível para os futuros embates.
Nonato Guedes