O presidente Jair Bolsonaro não quer mais ouvir referência ao PSL, sinalizando que prepara um desembarque da legenda pela qual concorreu ao Palácio do Planalto em 2018, saindo vitorioso. A leitura que se faz nos meios políticos é a de que o PSL tornou-se um fardo pesado que Bolsonaro não se dispõe a carregar. É como se o partido estivesse “bichado” e condenado ao desgaste, diante de troca de acusações internas envolvendo o “laranjal”, uma alusão a candidaturas “laranjas” lançadas no pleito do ano passado, no embalo do favoritismo do capitão reformado na corrida presidencial. O presidente, de resto, demonstra não ter apreço pelo PSL. Isto ficou evidente quando sugeriu a um correligionário que esquecesse o partido.
A postura do mandatário em relação à agremiação que lhe deu respaldo para pavimentar a candidatura é muito parecida com a de Fernando Collor de Melo. Em 89, quando cogitou lançar-se candidato, favorecido pela fama de caçador de marajás, Collor deu “corda” a um denominado Partido da Juventude mas acabou sendo candidato, mesmo, por um tal Partido da Reconstrução Nacional, PRN, liderado por Daniel Tourinho, um ilustre desconhecido da mídia nacional e da classe política. O que menos importava a Collor, naquele instante, era a legenda pela qual concorreria. Ele tinha a convicção plena de que seria eleito e de que ninguém lhe roubaria o cetro. O PRN ainda aliciou adesões em alguns Estados, mas carecia de planejamento, organização e formulação de projeto de poder e acabou definhando, sobretudo após o impeachment do ex-Indiana Jones brasileiro.
O problema dessas legendas é que elas são “alugadas” para demonstrar serventia numa ou noutra eleição. Ganham um “tchau” dos vitoriosos e deixam de ter um quinhão maior quando o governo se instala e recorre ao profissionalismo de outros expoentes, treinados para ajudar a administrar. O PRN tornou-se palatável para Collor porque tinha na sigla a palavra “reconstrução”. Encaixava-se, com propriedade, no discurso do candidato a presidente, que prometia um Brasil novo e dizia ter uma bala só para abater o monstro da inflação. Collor, igualmente, batia pesado no presidente José Sarney, chegando ao ponto de chamá-lo, certa feita, de “batedor de carteiras”.
Vale ressaltar um episódio que ilustra a utilidade efêmera das legendas de aluguel: na mesma campanha de 1989, que Collor venceu em segundo turno disputando contra Luiz Inácio Lula da Silva, um certo Armando Corrêa andava a tira-colo com um partido que chamava de seu mas que estava posto em leilão. Era o PMB, uma sigla qualquer, desprovida de doutrina programática ou ideológica consistente, mas que poderia prestar para validar o registro de uma chapa. O PMB foi sugerido ao apresentador de TV Sílvio Santos, que estava picado pela mosca azul e que chamou para seu vice o então senador paraibano Marcondes Gadelha, já filiado ao PFL. Na hora de dar-se o registro do PMB no TSE, tudo foi por água abaixo. Havia um cipoal de irregularidades, de indícios de barganha, o que acabou inviabilizando a chapa SS-Gadelha. De resto, Sílvio enfrentava o bombardeio da Rede Globo e de postulantes mais experientes que alertavam para o custo de uma “aventura” prestes a dar s caras no panorama nacional.
A chapa Sílvio-Marcondes não prosperou, embora seja possível que Armando Corrêa tenha recebido algum tipo de prebenda a título de compensação por não ver materializado o sonho de chegar na Presidência da República junto com o “homem do baú”. Mas a caracterização da “legenda de aluguel” ficou materializada, gerando receios de que esse tipo de partido contaminasse a legitimidade de disputas eleitorais. O “charivari” desencadeou articulações para a instituição da chamada “cláusula de barreira”, com o fito de obstacular a expansão de partidos nanicos fundados nos bolsos dos paletós. A Justiça tornou-se mais rigorosa, até porque fora chamada à colação diante da perspectiva de impunidade ou conivência com tais excrescências do processo político brasileiro.
No caso de Bolsonaro, ele já sinaliza distanciamento do PSL porque cogita, efetivamente, disputar a reeleição em 2022 e não quer acumular mais um foco de desgaste, além dos inúmeros que estão criados, muitas vezes por incentivo do próprio capitão, em seu linguajar destrambelhado, típico de quem não reflete antes de lançar palavras ao vento. Se o desembarque for levado adiante, será um duro golpe para os dirigentes e filiados do PSL, fadado a morrer de inanição, por ausência de estrutura e de quadros comprovadamente competitivos.
Nonato Guedes