Linaldo Guedes
Uma celebração à poesia de Paulo Leminski, poeta paranaense que nasceu em agosto de 1944 e faleceu em junho de 1989, e que está entre os autores mais vendidos no Brasil. Isso pode ser encontrado no livro Roteiro Literário Paulo Leminski, de autoria do poeta, músico e tradutor Rodrigo Garcia Lopes. “O livro é um mergulho na vida e obra de um dos mais importantes poetas brasileiros, um livro-ensaio que mistura biografia, análise literária, biogeografia afetiva, depoimentos. Uma proposta de entrar em sua obra por trilhas menos batidas, rediscuti-la e jogar luz sobre seu processo criativo”, explicou Rodrigo a este colunista.
Rodrigo lembra que a primeira vez que leu Paulo Leminski foi na adolescência, por volta dos 14 ou 15 anos.“Eu estava devorando tudo de poesia, brasileira e estrangeira. O impacto foi grande porque desmistificou certa ideia de poesia que eu tinha na época, de uma coisa sisuda, meio engessada, travada, careta. Foi libertador, e não só para mim”, recorda.
Segundo ele, a construção do livro foi um processo exaustivo, que lhe custou mais tempo do que imaginava. Só revisões no pdf do livro foram mais de dez. “Leminski sempre nos energiza e quem o conheceu, mesmo que de passagem, concordaria comigo. Seus melhores poemas batem de modos diferentes, seja pela estranheza, pela beleza, pela inteligência. Foi divertido revisitar seu humor, suas angústias, seu processo de escrita e de pensamento, sua absoluta entrega à poesia. Foi emocionante mergulhar em um mar de artigos, entrevistas, rascunhos, anotações de seu acervo e tentar tirar dali uma essência. E teve a alegria de poder desencavar, no processo, alguns bons poemas dele não recolhidos em Toda Poesia”, detalha.
Na obra, Rodrigo destaca que Leminski cometeu o pecado de ser conhecido ainda vivo, enquanto poeta. Explica que Leminski já era uma figura cult e maldita no meio literário, quando começou sua dobradinha com a Editora Brasiliense em vários livros que projetaram seu nome. Foi quando a música Promessas Demaisemplacou como trilha de novela da Globo eVerdura foi gravada pelo Caetano. A coletânea Caprichos & Relaxos (1983) pintou no momento certo. “Mas não nos enganemos: Leminski era um poeta que se cobrava muito, especialmente essa coisa de não cair no fácil, no vulgar.Vejo Leminski sempre se equilibrando na corda bamba, entre expressão e construção. O Leminski que mais me interessa é aquele que buscava uma poesia pensante”, ressalta.
O povo ama seus poetas, como dizia Leminski?,provoco:
– Já amou muito mais, acho. Tenho a impressão de que os poetas e compositores já tiveram muito mais voz e relevância na cultura brasileira do que hoje.
Para Rodrigo, os pontos altos na obra de Leminski, além da prosa marcada pela função poética de Catatau, ou ainda o ensaio-fábula poética que consta em Metaformose: Uma Viagem ao Imaginário Grego, são os 40 poemas que elencados no Roteiro. Peças como “um deus também é o vento”, “um dia”, “Aviso aos náufragos”, “Iceberg”. “A obra dele cai quando vira o trocadilho pelo trocadilho, desses que o pessoal adora imitar, ou bobagens como “amar é um elo / entre o azul / e o amarelo”. Ou um poema dele que termina com os versos “um dia / eu já tive vizinho”, analisa.
Leminski não era adepto de uma poesia panfletária. Em tempos de tantos absurdos políticos e sociais no país, o poeta não deve se posicionar sobre o Brasil atual? Rodrigo responde:
– Eu acho que o poeta deve se posicionar, sim. O Leminski se posicionava, o tempo todo. Confesso que nem imagino como e o que ele estaria escrevendo, pensando, nestes tempos sombrios no Brasil. Infelizmente, Leminski nos deixou muito cedo, aos 44 anos, com muita lenha ainda pra queimar (hoje ele estaria com 73 anos). Acho que ele defendia que não bastava apenas escrever tendo como tema a pobreza, a violência ou o aquecimento global, por exemplo, mas que o que fosse produzido se mantivesse e funcionasse enquanto poesia. “Cedo me dei conta de que poesia não altera porra nenhuma do real histórico. Quem quer fazer da poesia bandeira de guerra ou tribuna, errou de profissão e escolheu o instrumento inadequado. Não que a poesia não possa brotar do político ou do social, mais explícitos. Pode. Mas que pinte no modo específico da poesia, no ser da linguagem”, ele escreveu. Para Leminski, “a revolução é sempre no plano pragmático da mensagem. Lembro que na primeira entrevista que fiz com ele, em 1983, ele soltou essa do Fidel Castro: a de que “é preferível um bom poema romântico a um mau poema político”, e que o mau poema político era “um desserviço à revolução”. Leminski era um poeta público, imerso nas questões de seu tempo, um crítico da cultura.
Entre possíveis influências negativas da poesia de Leminski nas gerações atuais, uma delas, talvez, no entendimento de Rodrigo, tenha sido dar a impressão que poesia seja uma coisa fácil de fazer, espécie de vale-tudo, uma atividade que prescinde de estudo, leitura, qualquer trabalho. “A outra foi uma certa paranoia que atacou a poesia brasileira (a paranoia da paronomásia), o que faz o sujeito delirar e escrever um trocadilho atrás do outro e chamar aquilo de poema. Mas essa persistência na paronomásia vem desde os concretos, de Oswald, da poesia marginal…Outra coisa é acharem que qualquer poema de três versos seja um haiku”, critica.
Rodrigo destaca, ainda, que Leminski tinha um lado lírico intenso. “Ele até brinca com isso em alguns poemas, pelo exagero. Por outro lado, as canções que ele escreveu, sozinho ou em parceria, evidenciam bem essa preocupação com a musicabilidade do poema”, enfatiza.
O livro Roteiro Literário Paulo Leminskinão está sendo vendido em livrarias.Para adquiri-lo só através do site geral da Biblioteca Púbica do Paraná (bppgeral@bpp.pr.gov.br) ou direto com Rodrigo pelo e-mail rgarcialopes@gmail.com. Da tiragem de 1.000 exemplares, 500 foram distribuídos para todas as bibliotecas públicas do Paraná, cerca de 50 enviados para a família e para jornalistas, críticos, etc, e uma parte ficou com o autor (100 exemplares).
Linaldo Guedes é poeta, jornalista e editor. Com 11 livros publicados e textos em mais de trinta obras nos mais diversos gêneros, é membro da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (Acal) e editor na Arribaçã Editora. Reside em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, e nasceu em 1968.