Nonato Guedes, com sites e agências
Arlette Pinheiro Esteves Torres, a Fernanda Montenegro, dona de um talento ímpar, considerada uma das maiores damas do teatro, TV e cinema de todos os tempos, completa 90 anos como símbolo de resistência contra a censura às artes e à cultura no governo do presidente Jair Bolsonaro. Desde sua estreia nos palcos, em 1950, a atriz participou de dezenas de espetáculos, mais de 50 novelas e programas de TV e 30 filmes. Para celebrar as nove décadas de vida, lança o livro de memórias “Prólogo, Ato, Epílogo” em que exalta a resistência da família de imigrantes e artistas.
Em setembro deste ano, a classe artística brasileira ficou indignada com a ofensa dirigida a Fernanda Montenegro pelo dramaturgo Roberto Alvim, diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte. Em uma publicação no Facebook, chamou a atriz de “sórdida”. Foi uma declaração feita após Fernanda posar para a capa da revista literária “Quatro cinco um”. Na edição de outubro da publicação, Fernanda é retratada como uma bruxa prestes a ser queimada em uma fogueira com livros. Alvim assumiu, na postagem, que a guerra contra artistas no governo Bolsonaro é irrevogável e chegou a insinuar que a foto de Fernanda “mostra muito bem a canalhice abissal dessas pessoas, assim como mostra a separação entre eles e o povo brasileiro”. Sugeriu que é necessário promover uma renovação completa da classe teatral brasileira “que é radicalmente podre”.
O diretor da Funarte, posteriormente, voltou a ofender Fernanda, diante da repercussão do primeiro texto. Reafirmou suas declarações e disse desprezar a atriz, a quem classificou como “mentirosa”. No Facebook, a atriz e diretora Guida Viana foi uma das reações contrárias às afirmações de Alvim, propondo que ele fosse processado. “É o maior absurdo que eu já li, ninguém pode ofender as pessoas desse jeito. Um presidente que elogia a tortura deveria ser processado, da mesma forma que um diretor que ocupa o cargo público, n Funarte, e ofende o maior ícone teatral do Brasil, também”, defendeu. Em comunicado, a Associação dos Produtores de Teatro repudiou as declarações de Alvim.
Fernanda Montenegro nasceu no bairro do Campinho, subúrbio do Rio de Janeiro, no dia 16 de outubro de 1929. Seu pai era mecânico da Light e a mãe dona de casa. Fernanda Montenegro cresceu frequentando a escola pública e o sítio de seus avós em Jacarepaguá. Terminou o curso primário aos 12 anos e passou a frequentar o curso de secretariado Berlitz, estudando francês, inglês, português, estenografia e datilografia, fazendo o curso de “madureza” à noite e concluindo o curso ginasial em dois anos. Aos 15 anos passou num concurso como locutora de rádio. Escolheu o nome Fernanda pela sonoridade que remetia aos personagens de Balzac ou Proust. Adotou o sobrenome Montenegro de um médico homeopata que era amigo da família. Fez traduções e adaptações de peças literárias para radionovelas. Estreou no palco em 1950 na peça “Alegres Canções nas Montanhas”, atuando com Fernando Torres, que se tornou seu marido em 1953. O casal teve dois filhos: a atriz Fernanda Torres e o cenógrafo Cláudio Torres. Fernanda foi a primeira atriz contratada pela TV Tupi no ano de 1951, tornando-se conhecida nacionalmente. Pelo conjunto da obra foi indicada ao Oscar de melhor atriz e ao Globo de Ouro de 1999. A atriz recusou dois convites para assumir o Ministério da Cultura: do governo José Sarney e do governo Itamar Franco. Seu histórico registra performances em cerca de 100 peças teatrais, 11 telenovelas, 200 teleteatros, minisséries e diversos filmes. Conquistou o Urso de Prata de melhor atriz no quadragésimo oitavo Festival de Cinema de Berlim.