Nonato Guedes
Embora esteja convivendo com uma fase de profunda turbulência política, motivada por denúncias originárias da Operação Calvário que atingiram ex-secretários de suas gestões e agora respingaram na deputada Estelizabel Bezerra, o ex-governador Ricardo Coutinho mantém em evidência uma alegada candidatura a prefeito de João Pessoa pelo PSB no próximo ano. Extraiu, nas últimas horas, declarações de apoio e simpatia do ex-presidenciável Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores, que acenou com a hipótese de não lançamento de candidatura própria pelo PT diante da perspectiva de investir em RC, que ele avalia ter potencial e forte densidade eleitoral para vencer a parada das urnas.
Enquanto corteja apoios externos, como parte da estratégia para demonstrar força e prestígio, Coutinho empenha-se para consolidar cada vez mais a sua hegemonia nas hostes socialistas, fazendo jus à “blitzkrieg” que moveu para neutralizar qualquer tipo de influência, por mínima que seja, do governador João Azevêdo, a quem apoiou nas eleições de 2018 ao governo, decididas em primeiro turno no Estado da Paraíba. A consolidação da hegemonia no arraial dos girassóis é essencial para Ricardo, sobretudo se a pista estiver livre para ele concorrer a mandato eletivo. A homologação do seu nome, no desenho do partido que Ricardo está formatando, será automática, tanto faz se ele estará passeando no exterior ou se estará fisicamente em João Pessoa acompanhando a montagem da nova agremiação concebida por RC.
Um virtual apoio do PT à pré-candidatura de Ricardo simboliza retribuição pelas sucessivas deferências com que ele cumulou o partido que praticamente o expulsou das suas fileiras, no início dos anos 2000, quando Coutinho mexeu-se para sair candidato a prefeito de João Pessoa. Das deferências a Dilma Rousseff, por ocasião do impeachment, e ao ex-presidente presidiário Luiz Inácio Lula da Silva, antes e depois da prisão deste por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, passando pelo apoio à candidatura do deputado federal Luiz Couto ao Senado (empreitada infrutífera) e do empenho para a convocação deste a uma secretaria no governo Azevêdo, Ricardo foi generoso até demais com os lulopetistas paraibanos que chegaram a empurrá-lo durante uma das tumultuadas assembleias que constituíam praxe da dinâmica do PT local. Ricardo passou uma esponja nas insinuações de que operava como quinta-coluna no PT ou que era fascinado pelo culto ao personalismo, uma marca intrínseca à sua personalidade. Tudo o mais que se disse em seu desfavor foi arquivado. O mínimo que o petismo poderia ofertar-lhe é o apoio ou alinhamento quanto a quaisquer pretensões suas, mesmo que ele permaneça em outra legenda e nunca tenha cogitado, aparentemente, voltar ao antigo serpentário petista da Paraíba.
Chama a atenção dos analistas políticos essa capacidade que Ricardo tem de racionalizar e não de somatizar as coisas que são negativas, para ele e para o grupo de ricardistas fiéis que o acompanha, na tristeza e na alegria, como no ritual dos casamentos religiosos. Pode ser que o ex-governador tenha se reaproximado do PT porque já fechara portas com ex-aliados que teve, por conveniência pessoal, como o ex-senador tucano Cássio Cunha Lima e o senador emedebista José Maranhão. Ora, se até de Azevêdo, com quem partilhou palanques, promessas e momentos históricos na campanha de 2018, Ricardo se afastou, não tendo dificuldade de desvencilhar-se do “companheiro”, como cogitar que teria de volta canais com Cunha Lima, Maranhão, Efraim Morais? O senso de oportunismo indicava-lhe que a tática mais vantajosa seria a volta ao status quo ante, ou seja, a reaproximação com o PT, pegando carona na reviravolta que ameaça converter Lula da Silva de réu em quase santo – pelo menos, inocente, de acordo com o enredo que anima ministros do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes à testa, fortalecido com o fato de não ter sido alcançado pela bala que Rodrigo Janot mirou em sua direção.
Ricardo herdou do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a perícia na arte da prestidigitação, no recurso de adulteração dos fatos para beneficiar-se em alto estilo, invertendo a lógica de acusações que são bastante comprometedoras, inclusive, do ponto de vista da materialidade, mas que absorvidas pelo passionalismo perdem valor efetivo, tornam-se letra morta e ainda possibilitam a vitimização do presidiário. A comparação, aqui, é em termos, é claro, já que Ricardo não é presidiário. Mas o mimetismo da vitimologia, em cima de insinuações feitas não por adversários mas aventadas por inquéritos do Ministério Público, tem laborado a favor de Coutinho, emoldurado pelo seu discurso agressivo, que acusa mais do que propriamente se defende, do mesmo modo como Lula ilude as pessoas de fé com suas reverberações de ex-metalúrgico que chegou à Presidência, algo nunca antes visto na história deste país. Pode ser que a pré-candidatura de Coutinho a prefeito seja uma hipótese, ou um blefe. Não sendo assim, ele estará mais ou menos respaldado para entrar na liça, uma vez superado o calvário político de agora.