Nonato Guedes
A intenção do ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) de viajar para a Espanha a pretexto de participar de seminário político, pouco mais de dez meses depois de desocupar o Palácio da Redenção, guarda coincidência com a atitude do tucano Cássio Cunha Lima que após ter sido cassado pelo TSE em fevereiro de 2009, quando exercia seu segundo mandato, “exilou-se” com a família nos Estados Unidos. Saiu dizendo que iria aprimorar o conhecimento do idioma inglês e se reciclar politicamente. Depois de quase um semestre, retornou à Paraíba anunciando a disposição de concorrer ao Senado. Em 2010, de fato, foi eleito senador com hum milhão de votos. Protagonizou, ainda, uma guinada espetacular, apoiando a candidatura de Ricardo Coutinho ao governo, vitoriosa no embate com José Maranhão, do então PMDB. Para apoiar Coutinho, Cássio sacrificou a pretensão do companheiro de partido Cícero Lucena, que chegou a percorrer municípios fazendo de conta que estava em campanha informal para o posto maior na hierarquia política paraibana.
As situações, evidentemente, guardam diferenças profundas. Cássio foi punido por suposta improbidade administrativa, bem como conduta vedada, nas eleições de 2006 em que derrotou a chapa José Maranhão-Luciano Cartaxo. O TSE determinou a investidura dos dois em 2009. Cássio desabafou que foi vítima do “maior erro judiciário da história do país” e chegou a ter a solidariedade até do governador petista do Piauí, Wellington Dias, bem como do ministro da Articulação Política do governo Lula, José Múcio Monteiro, do PTB. Na época, Cássio comparou o programa de assistência da FAC, executado na sua gestão e um dos vetores da cassação, ao Bolsa Família do governo Lula, lembrando que não tinha ingerência no destino final dos recursos e que estes possuíam finalidade específica, focada no atendimento a camadas mais carentes da população.
Ricardo Coutinho, que acabou rompendo a aliança com Cássio e enfrentando-o nas urnas em 2014, quando obteve a reeleição ao governo do Estado, viajará para a Espanha em plena ebulição causada pela Operação Calvário, deflagrada pelo Ministério Público e Gaeco, que apura irregularidades em contratos firmados com organizações sociais para gestão pactuada nas áreas de Saúde e Educação, incluindo o pagamento de propinas a agentes públicos. Ex-secretários da gestão Ricardo foram citados em inquéritos do MPPB e pelo menos uma ex-secretária influente, Livânia Farias, chegou a ser presa e liberada após “colaboração” com as autoridades nas investigações. Coutinho desdenha das apurações do Ministério Público e nega as irregularidades, embora o material acusatório seja farto e ultimamente tenha alcançado o ex-auxiliar Ivan Burity, também preso. O deputado estadual Cabo Gilberto, em discurso na Assembleia, criticou a ausência de Ricardo do Estado em plena turbulência, insinuando que ele também tem contas a prestar às autoridades. Os socialistas na Paraíba desqualificam todas as acusações.
Em novembro de 2008, quando o TSE reiterou a cassação de Cunha Lima por seis a zero, o advogado Eduardo Ferrão, principal estrela da assessoria jurídica do então governador, insinuou que havia se instalado na Paraíba uma nova forma de coronelismo político, refletido na “mídia opressiva” que, segundo ele, teria operado para desconstruir carreiras e pessoas, num processo que denominou de cruel, refletido em animosidade contra advogados cassistas. Para ele, o processo havia alcançado as raias do maniqueísmo político. “Defender o governador passou a ser encarado como chicana jurídica, enquanto atacá-lo passou a ser coisa sublime”, desabafou Ferrão, exibindo uma caricatura publicada pelo jornal “Correio da Paraíba” em que o relator Eros Grau castigava Cássio como se fosse um menino. E frisou que, diferentemente dessa imagem negativa, Cássio inovara no modelo de gestão.
O parecer de Eros Grau foi corrosivo e decisivo. Ele rejeitou, de forma peremptória, todas as preliminares sustentadas pela defesa de Cássio Cunha Lima, incluindo intempestividade de recursos da parte contrária e vícios em laudos técnicos que foram efetuados no controle da execução de programas sociais do governo do Estado, a exemplo da “Ciranda de Serviços” e da distribuição de cheques através da FAC. Na temporada de “exílio” nos Estados Unidos, Cássio Cunha Lima manteve-se permanentemente informado sobre os fatos da realidade política paraibana. E tricotou, por telefone e através de emissários, a aproximação com Ricardo Coutinho, que acabou desfeita em meio a restrições recíprocas sobre condutas políticas questionáveis. Nas eleições de 2018, Cássio não conseguiu se reeleger ao Senado e atribuiu o resultado ao que chamou de “tsunami político” que varreu o país, com reflexos colaterais na situação da Paraíba.