Nonato Guedes
A ex-presidente da República Dilma Vana Rousseff é uma mulher duplamente torturada: na ditadura militar instaurada em 1964 ela foi supliciada pelos algozes a serviço da repressão contra dissidentes políticos que reagiram à longa noite das trevas; em 2016, enfrentou um processo de impeachment que a apeou do cargo. Com o impeachment, o Brasil renunciou a Dilma, ao governo do PT e, teoricamente, a um método criminoso de fazer política. Primeira mulher eleita presidente no país, com a influência decisiva do ex-presidente Lula da Silva, que então se jactava de eleger “postes”, Dilma foi, também, a primeira mulher no exercício da mais alta magistratura a sofrer o impeachment. Antes dela, em 1992, Fernando Collor de Melo, que incendiou corações e mentes no figurino de caçador de marajás, foi desalojado do Planalto por corrupção, mediante envolvimento com o célebre esquema PC Farias.
Ainda hoje, Dilma busca explicação para o que houve naquele fatídico ano em que deixou de ser a protagonista do triunfo feminino no poder. A alegação formal foi de que ela cometera, à frente da presidência da República, “pedaladas fiscais” que constituiriam crime de responsabilidade, conforme auditado pelo Tribunal de Contas da União. Mas há indícios de que pesou a ocorrência de outras irregularidades indesculpáveis. Em 2013, por exemplo, contrariando recomendações técnicas, Rousseff baixou na marra as tarifas de energia. A redução de 18% fez explodir o consumo num momento em que as chuvas rareavam. Ela também forçou a queda de juros, travou queda de braço com os empresários e desprezou o Congresso Nacional. Agia como se estivesse acima da Lei. Para completar, a má qualidade dos serviços públicos e seu elevado custo desencadearam manifestações de protesto nas ruas que sinalizaram o isolamento do governo e a perda progressiva de popularidade de uma mandatária que havia se tornado a presidente mais popular da fase de redemocratização.
Dilma Rousseff foi uma governante desastrada e fez um governo desastrado. Reelegeu-se em 2014 à custa da venda ao eleitorado, pelo PT, de uma apólice de ilusão sobre suposto crescimento econômico e extraordinária inclusão social pelos governos iniciados com Luiz Inácio Lula da Silva. O PT acabou desgastado e canibalizado em virtude da aura de corrupção de que se revestiu, jogando por terra todos os fundamentos éticos que apregoava em sua carta-programa. No poder, o Partido dos Trabalhadores de Lula foi o partido do “mensalão” e do petrolão. O partido de políticos flagrados com dólares nas cuecas, num cenário que estava mais para o escatológico e que não passou desapercebido a ministros do Supremo Tribunal Federal e a largas parcelas da opinião pública, sobressaltadas com escândalos em série protagonizados pelos que se julgavam proprietários absolutos da moralidade. Que decepção!
A ex-presidente, que sempre demonstrou ser dotada de um raciocínio extremamente tortuoso, capaz de fazê-la derrapar em barbeiragens que dificultavam a sua capacidade de comunicação com a sociedade, ficou tão obnubilada com o processo de impeachment que acabou assumindo a narrativa de que fora vítima de um golpe político, uma espécie de quartelada parlamentar conduzida por um Congresso emasculado na sua legitimidade e produtor de aberrações e ilegalidades de toda espécie. Abstraindo as deficiências do Congresso, representado por Câmara e Senado, a narrativa de golpe político era historinha para boi dormir. Para Dilma, entretanto, tornou-se vital acreditar nela. Afinal de contas, tratava-se da única válvula de escape a que poderia se apegar para defender o indefensável, ou seja, as irregularidades que praticou à testa do governo empalmado.
A sociedade não se deixou comover com tão frágil argumentação, tanto assim que derrotou Dilma Rousseff nas urnas quando ela tentou refazer a trajetória política lançando-se candidata ao Senado por Minas Gerais. O papel de vítima não colou no RG político-eleitoral de Dilma, que, de resto, nunca foi encarada com seriedade pelos caciques do petismo, muito menos absorvida por segmentos representativos da esquerda histórica brasileira. Dizia-se no PT que ela era a mulher do Lula, impressão que ganhou força, também, junto ao cidadão comum. Rousseff abalou-se em cruzada solitária pelo exterior a pretexto de denunciar “o golpe” como um artifício manjado para tentar reverter o que era irreversível – o processo de impeachment.
A esta altura, seu vice, Michel Temer, que inegavelmente conspirou de forma ostensiva para ajudar a derrubá-la, já manejava os cordéis do poder e nele se sustentava recorrendo ao expediente do “toma lá, dá cá”, enraizado na cultura política tradicional e retrógrada do Brasil.Noves fora injunções e orquestrações políticas, Dilma não caiu por acaso, mas porque tinha culpa no cartório. Tal qual a lenda folclórica mineira sobre o jabuti avistado em árvore: alguém o colocara lá, porque jabuti não sobe em árvore. Dilma pecou – e foi punida por esses pecados. O mais é lorota remanescente do “dilmês”, um vocabulário que dificilmente voltará a fazer sucesso no país.