Nonato Guedes, com “Veja”
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que está lançando o quarto e último volume dos “Diários da Presidência”, cobrindo os dois anos finais do mandato – 2001 e 2022, não cita em nenhum momento da sua última obra Jair Bolsonaro, que era deputado federal nos anos da gestão tucana. Indagado pela reportagem de “Veja” se Bolsonaro, como deputado, estava fora do seu radar, Fernando Henrique é taxativo: “Eu nunca o vi na vida, nem desejo. De longe, tenho a impressão de que ele é uma pessoa tosca. Na minha época de Presidência, Bolsonaro não tinha importância. Tinha presença apenas na política corporativista, agitando os quartéis. Os militares o viam com preocupação, pois era um capitão rebelde, mas nunca imaginavam que chegaria à Presidência”.
Para Fernando Henrique, Bolsonaro ganhou a eleição em 2018 por ter repetido uma agenda negativa: não ao PT, não à corrupção, não ao crime organizado. “Quem votou em Bolsonaro votou com um pouco de medo. Alguns setores do Brasil, como os ruralistas, estavam muito inquietos com a situação anterior, que era um caos. Cadê hoje o MDT? No meu tempo de presidente, o MST fazia marcha do Sul para Brasília porque as prefeituras davam dinheiro. Tinha um bom apoio do PT. O Brasil foi para a direita, em seu conjunto, tanto que Bolsonaro venceu. Esse movimento para a direita não foi só aqui, ocorreu no mundo inteiro”. A entrevista de FHC foi concedida aos jornalistas Maurício Lima e Sérgio Ruiz Luz.
Ainda que considere cedo para fazer uma avaliação do governo Bolsonaro, Fernando Henrique diz ter a impressão de um governo que não transmite ao país para qual rumo está levando o Brasil. “Então, você fica meio sem saber para onde vamos”. A respeito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique sublinha que o encanto que havia anteriormente não existe mais com o processo de poder, a vinculação com a corrupção. “Mas se ele for posto em liberdade, vai agitar, pois tem uma virtude: sabe falar. Nunca me esqueço do Lula presidente explicando na TV a questão da poluição. “Vocês sabem, né, gente? A Terra não é plana, a Terra é redonda. Se a Terra fosse plana, a poluição ia ser problema deles, não nosso. Mas como ela roda, a poluição cai na cabeça da gente”. FHC diz que não acha que na situação do Brasil exista espaço, hoje, para o mesmo tipo de retórica que ajudou na ascensão de Lula e observa que quando ele ganhou a eleição, “para o bem ou para o mal, significava coisa nova, o líder operário que chega ao governo. Essa novidade não existe mais”.
O ex-presidente declarou que Lula sempre foi personalista, colocando-se em posição de primazia e, depois, o resto. Salienta que o PT hoje é o “Lula Livre”, enquanto de sua parte, avalia que está havendo um cansaço da polarização política-partidária no Brasil. Frisa que o apresentador Luciano Huck, da TV Globo, tem que tomar uma decisão sobre se vai deixar de ser celebridade para ser político. E ensina: “Celebridade recebe aplauso e líder político, dependendo do caso, recebe pedrada”. Fernando Henrique considera-se afastado das discussões partidárias mas diz que o presidente Bolsonaro procura casca de banana para escorregar. “Ele se mete em tudo, cria caso, cria confusão. Então, pode escorregar. Não o estou menosprezando, pois é preciso levar em consideração que ele fala bem a um grupo de eleitores. E é esperto. Já definiu o inimigo – não é Luciano Huck, é a Rede Globo”.