Nonato Guedes
Em depoimento para o livro sobre os 50 anos de telejornalismo do “Jornal Nacional”, que a Rede Globo ainda celebra, a repórter Beatriz Castro, baseada no Recife, com raio de cobertura por todo o Nordeste, lembrou a atenção dada aos casos de microcefalia nesta região, a partir dos primeiros, que surgiram em meados de 2015. “No começo, foi um grande susto para as famílias, a área médica e a imprensa. Todo mundo foi pego de surpresa, ninguém imaginava a dimensão que atingiria, porque os casos não surgiram todos de vez. Eram dispersos em regiões do Nordeste, tendo Recife como o epicentro. Pesquisadores nordestinos tiveram papel relevante na compreensão do que estava acontecendo com os bebês.
Comprovações importantíssimas dessa síndrome congênita do vírus da zika vieram do Recife e da Paraíba”, relata Beatriz Castro.
Casada com o jornalista Francisco José, Beatriz Castro ressalta que os próprios especialistas demoraram para entender e juntar as histórias. “Nós tivemos que aprender junto com eles”, frisa, acrescentando que a pauta sobre o assunto nunca foi abandonada no “Jornal Nacional” e nos noticiários locais de afiliadas da Globo, sendo feitas séries especiais, a cada ano, “porque as famílias das vítimas precisam de cuidado para o resto da vida”. Beatriz explica que, particularmente, se sentiu comprometida com o assunto, como cidadã e ainda mais como jornalista. “É minha função manter essa história viva e me sinto muito satisfeita com alguns resultados desse esforço”, acrescentou. No começo, a repórter teve acesso a algumas mensagens que os médicos trocavam entre si porque era uma microcefalia com características mais graves do que as provocadas por causas conhecidas. Rapidamente, como ela diz, tornou-se uma ameaça global: em fevereiro de 2016, a Organização Mundial de Saúde decretou situação de emergência.
– Só entramos oficialmente na cobertura quando a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco deu o alerta. Fomos com carga total atrás dos especialistas, que são sempre as melhores fontes nesses casos, e passamos a acompanhar diariamente os dados oficiais. Imediatamente o Jornal Nacional entrou no assunto. No início, não tínhamos acesso a essas crianças, que ficavam internadas em estado grave em UTI. Não tínhamos como comprovar e as tratávamos como número, estatística. Até conseguirmos humanizar as histórias e mostrar as vítimas, demorou um pouco – as famílias tinham medo da imprensa, foi difícil conquistar a confiança. Alguns veículos realmente não os tratavam com o devido respeito – prossegue Beatriz Castro.
Como a repórter descreve, a maioria das mães da vítimas de microcefalia era pobre e teve que largar o emprego. Muitas foram abandonadas pelos maridos. Além disso, houve tratamento desigual para essas crianças – quem teve atendimento precoce conseguiu algum desenvolvimento, mas as crianças do interior, sem assistência, não tiveram essa possibilidade. As condições para evitar essa tragédia podiam ter sido atendidas, na sua opinião, por serem regras básicas de saúde que, infelizmente, não existem – há falta de saneamento e proliferação do mosquito causador do quadro.
Entre pessoas importantes colocadas em foco no noticiário, Beatriz Castro destaca a médica Adriana Mello, que provou a ligação da zika na gravidez, com a microcefalia, pelo líquido amniótico, bem como Celina Turchi, da Fundação Oswaldo Cruz, que ficou entre as 100 pessoas mais influentes do ano no ranking da revista norte-americana Time. “Foi interessante conhecer esses brasileiros que dedicaram seu conhecimento e o seu tempo a essa causa, fazendo dela uma missão. Fomos finalistas do prêmio Emmy com o conjunto da cobertura”, revela Beatriz Castro.
Uma história muito marcante, na cobertura, segundo ela, foi a da Jaqueline. “Ela deixava o filho mais velho na casa da sogra e pegava três conduções para levar o menor, com microcefalia, ao Centro de Referência, para fazer tratamento. Eu a acompanhei desde casa, dentro do ônibus, para mostrar às pessoas como a situação era difícil. A matéria foi exibida em um sábado no “Jornal Nacional”. Foi muito importante, pois ela deu confiança a essas mães, que passaram a anunciar tudo que fariam. Pudemos acompanhar mais de perto, para além das fontes oficiais, contando a história delas e descobrimos várias famílias com casos parecidos”.