Nonato Guedes
Os “lulistas” e petistas não deixarão passar em branco no próximo domingo os 74 anos de idade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo com ele recolhido a uma cela na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, acusado de crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em João Pessoa, o Comitê Estadual Lula Livre programa inúmeras manifestações tendo como palco a Feira do bairro de Oitizeiro, com bolo, parabéns prá você, panfletagem, adesivagem, bandeiraço e bicicletaço. Em inúmeras Capitais do país haverá eventos semelhantes, com a presença de oradores inflamados e de expoentes do partido que o ex-retirante nordestino fundou e que chegou à presidência da República com ele, em 2002.
As celebrações pelo aniversário de Lula serão impulsionadas pela expectativa reinante junto aos seus fãs e eleitores quanto às chances concretas de soltura do ex-presidente e, mais do que isso, de anulação das supostas provas arguidas contra ele no episódio da aquisição de um tríplex no Guarujá, em São Paulo, e de um sítio em Atibaia, no interior paulista. O Supremo Tribunal Federal, há dois dias, vota uma questão crucial – se réus condenados em segunda instância já devem cumprir pena ou se somente serão obrigados a tanto com o trânsito em julgado dos processos, ou seja, com o esgotamento da apreciação de mérito dos casos que os envolvem. Uma corrente no Supremo inclina-se por favorecer Lula com o novo entendimento e essa tendência mistura-se com o pedido de procuradores da Lava-Jato, operação em que Lula foi preso, para anulação das acusações primárias formuladas contra ele. Os executores da Lava-Jato, porém, pugnam pela concessão do regime semiaberto para Lula. O ex-presidente não aceita a fórmula, que o levaria a manter a sua condição de presidiário. Quer que seja proclamada sua inocência, que os processos contra ele sejam arquivados e que o ex-juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça, seja considerado culpado de “parcialidade” nas ações praticadas contra ele.
Enquanto as discussões se desenrolam, em atmosfera de alta vantagem em Brasília e em outros centros influentes do país e o lulopetismo se anima com a provável soltura do seu ídolo antes do Natal, círculos jurídicos independentes avaliam que, mesmo que venha a ser posto em liberdade, Lula continuará sub-judice, enquadrado nos limites da Lei da Ficha Limpa e com escassas possibilidades de vir a registrar uma candidatura a presidente da República já em 2022. Ainda há outros processos comprometedores que talvez o líder petista não consiga “tirar de letra”, como imaginam ele e os aliados mais fanáticos. A prisão de Lula teve, de imediato, ampla repercussão na mídia internacional, ainda embriagada pela imagem do “mito”, mas nos meses seguintes a cobertura simpática ao ex-presidente foi diminuindo de parcialidade com a confrontação de informações sobre gravidade de denúncias que pesariam contra ele.
Em Curitiba, a poucos metros da Superintendência da Polícia Federal, mantém-se um acampamento subsidiado pelo Partido dos Trabalhadores, que sustenta uma vigília, em forma de revezamento, desde a prisão do ex-mandatário em abril do ano passado em São Bernardo do Campo, na sede do Sindicato de Metalúrgicos que presidiu e onde ele se refugiou para não cumprir a ordem de prisão expedida por Sérgio Moro, seu algoz principal. Há indícios de que o quórum no referido acampamento tem se esvaziado com a demora na definição sobre a sorte de Lula. Mas quando ocorrem visitas ao ex-presidente presidiário forma-se quórum no acampamento para ouvir discursos de oradores ilustres recém-saídos da visita ou do “beija mão” a Lula. Todos, invariavelmente, reclamando de injustiça e clamando por sua liberdade imediata.
Na campanha eleitoral de 1994, quando Lula disputou a presidência da República com Fernando Henrique Cardoso e foi por ele derrotado, surgiu uma das comparações biográficas que mais enfureceram o ex-presidente. Em evento de que participava Ruth Cardoso, ex-primeira-dama, mulher de Fernando Henrique, já falecida, a empresária de teatro Ruth Escobar anunciou que os brasileiros teriam duas opções: “Votar em Sartre ou escolher um encanador”. Sartre, na visão dela, era FHC. Abstraindo a comparação preconceituosa de Ruth, Lula “chegou lá”, posteriormente. E hoje, como presidiário, conta com o aval de intelectuais renomados no Brasil e no exterior e é venerado em shows por artistas como Chico Buarque de Holanda e Caetano Veloso. O “encanador” pode não ter se tornado um Jean-Paul Sartre, mas, com sua habilidade política que ninguém nega, atraiu para si as atenções dos leitores e admiradores da filosofia existencialista que detonou revoluções culturais França afora.