Nonato Guedes
Pois é! O poder pode muito, mas não pode tudo. O presidente da República Jair Bolsonaro enfiou-se numa cruzada para emplacar a todo custo o filho Eduardo, deputado federal, na embaixada do Brasil em Washington, Estados Unidos. Sabia que a missão seria inglória e desgastante, mas queria porque queria premiar o filho, ignorando a sua falta de credenciais para um posto diplomático. (O candidato apresentou no currículo o registro de que passou temporada nos EUA fritando “hambúrguer”). A nomeação configuraria nepotismo escancarado, mas a causa não foi apenas esta e, sim, o conjunto da “obra”. Diplomatas de carreira do Itamaraty torceram o nariz para a escolha e, lá fora, a repercussão variou entre o jocoso e o ridículo. Eduardo foi orientado a proclamar o “Fico” e “renunciou” à indicação invocando razões patrióticas, como a necessidade de ajudar o governo do pai a debelar crises políticas no PSL e no Congresso, criadas por pai e filhos.
O processo de tentativa de sacramentação de Bolsonaro filho como embaixador tornou-se uma questão de Estado, levando o presidente da República a praticar aulas de subserviência ao presidente americano Donald Trump, como manobra para que as coisas fossem facilitadas e que o indispensável “agrément” fosse outorgado sem maiores complicações. Essa parte era o de menos. Como era irrelevante a notória falta de credenciais do “fritador de hambúrguer” para exercer o posto – afinal, a cobiçada embaixada está há pelo menos um ano sem titular, o que dá uma ideia da desimportância do Brasil perante os Estados Unidos, inobstante os rapapés de Jair Bolsonaro a Donald Trump, em ato explícito de vassalagem. Fez-se uma mobilização badalada em torno do caso e o Planalto não teve o cuidado de “combinar” com o Senado. Era lá de onde partiria a aprovação do nome de Eduardo, um dos Zero qualquer do “clã” Bolsonaro, após sabatina de praxe no ritual de designação de representantes diplomáticos. E foi no Senado onde eclodiram as maiores resistências a uma provável indicação de Eduardo para a embaixada.
O fiasco na empreitada para tornar o filhinho de papai embaixador, sem dúvida, causou um vexame internacional para o Brasil, afinal contornado pela designação, pelo menos, de um diplomata de carreira, ainda que sobre ele recaiam dúvidas de competência ou qualificação para o exercício do cargo. Toda essa presepada a que a opinião pública foi obrigada a assistir derivou do estilo de governar inerente ao presidente Jair Bolsonaro. baseado no culto escancarado ao “filhismo”. Os meninos do presidente não se destacam na política por discursos de impacto ou por propostas consistentes, mas pelo comportamento midiático, centrado na manipulação de robôs virtuais para queimar opositores do pai presidente nas redes sociais, regra que é seguida pelo próprio Jair, pouco afeito a entrevistas coletivas ou a pronunciamentos que exijam o mínimo de profundidade sobre graves assuntos nacionais.
Desde a campanha de 2018, sabia-se que faltava a Jair Messias Bolsonaro o estofo do estadista, aquela figura que se impõe tanto pelo carisma como pelo domínio dos assuntos e pela firmeza de convicções a respeito dos projetos concebidos para o País. No Decálogo do Estadista, Ulysses Guimarães dizia: “O estadista nasce, é o encontro de um homem com o seu destino. O estadista é um animal político. Fora da política é um frustrado, um ressentido, um infeliz, embora possa ter êxito em outras atividades. Ainda que pagando o preço ingrato de percalços, perigos e sofrimentos, confirma o acerto da definição de Alphonse Karr de que o segredo da felicidade é fazer do seu dever o seu prazer. Político é como gato, está gemendo, mas está gozando”.
De acordo com o doutor Ulysses, “não há estadista burro”. Ele, ainda: “O estadista há de ser talentoso, embora possa não ter cultura. Tiradentes e Juarez Távora não tiveram cultura, mas foram estadistas porque tiveram talento político. Como o samba, o talento não se aprende na Academia. A pessoa é gratificada com o talento. Talento é o dom de acertar. A política é a arte do bem-estar e da salvação popular. Político é aquele que tem talento para consegui-lo”. Milton Campos dizia que o estadista tem “a posição de suas ideias e não as ideias de sua posição. Não é um oportunista, o que se serve da política em lugar de servi-la, o que só pensa nas eleições futuras e não no futuro do país. Há “democratas” tão furiosos na oposição quão intolerantes no governo. Político de caráter é fiel – às ideias, não à carreira. Pode perder o poder, o emprego, a liberdade, mas não renega as ideias, não perde a vergonha. Galileu foi grande físico, porém, como estadista não entraria na História. Quem por medo se retrata não é estadista”. Enfim, doutor Ulysses sintetiza: “O estadista não atende para agradar, mas porque é justo. E tem a coragem de descontentar, até amigos e parentes”. Bolsonaro faz política uterina. Não é estadista!