Nonato Guedes
Na década de 80, na cadeira de governador de Alagoas, um dos Estados mais pobres do Nordeste e da Federação, Fernando Collor de Mello, que tinha 38 anos ao ser eleito, desfraldou uma bandeira, o combate aos altos salários de alguns servidores públicos, apelidados de marajás, e criou sua persona política: o caçador de marajás, como nota Jaime Klintowitz no livro “A História do Brasil em 50 Frases”. O embate de Collor dava-se, principalmente, com um procurador do Estado, cujo salário, somado a vantagens e penduricalhos, teoricamente superava o teto percebido pelo próprio governador. Nunca se esclareceu a verdade dos fatos – houve versões, inclusive, de acordos firmados com Collor e usineiros à frente do governo alagoano, bem como com categorias de marajás.
Seja como for, no final da década, Collor era o governador mais popular do Nordeste. No Carnaval de 1989, o combate à corrupção foi tema do enredo de quatro escolas de samba cariocas e Collor, herdeiro de uma oligarquia política em Alagoas, circulou pela pista do sambódromo fazendo o sinal de vitória com os dedos. Foi muito aplaudido. Descobriu-se que o projeto de candidatura do governador alagoano ao Palácio do Planalto existia desde 1987. As primeiras linhas foram traçadas durante uma viagem de lazer à China feita por Collor e três companheiros da política de província – Renan Calheiros, Cláudio Humberto e Cleto Falcão. Havia 25 candidatos presidenciais em 1989, numa atmosfera de verdadeira balbúrdia.
Entre alguns peso-pesados da política, como Ulysses Guimarães, do PMDB, Mário Covas, do PSDB, Leonel Brizola, do PDT e Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, Collor era a novidade. Ele já passara pela Arena, pelo PDS e pelo PMDB e concorreu por uma agremiação criada sob medida para a ocasião, o Partido da Reconstrução Nacional, PRN. O candidato a vice-presidente era um senador mineiro de pouca expressão, Itamar Franco. Collor estreou em cadeia nacional de televisão em 30 de março. Apresentou-se como um candidato jovem e ousado, denunciou a crise moral, bateu pesado nos “coronéis”, nos “marajás”, em José Sarney. Na semana seguinte, já liderava as pesquisas de intenção de votos. Em maio, disparou na preferência do eleitorado e, por um momento, pareceu que iria levar o mandato de presidente no primeiro turno, o que não aconteceu. O segundo turno contra Lula adquiriu aspecto plebiscitário, o que favoreceu Collor. Klintowitz diz que todos os eleitores assustados com o esquerdismo destemperado do PT daquele tempo correram para os braços do “caçador de marajás”.
Fernando Collor de Melo recebeu 42,75% dos votos, contra 37,86% dados a Lula. Tomou posse em 15 de março de 1990, tornando-se o mais jovem presidente do Brasil e o primeiro eleito por voto em três décadas. Exatos 35.089.998 brasileiros optaram por entregar a chave do cofre ao ladrão, mas isso só soube mais tarde – diz Klintowitz. A surpresa veio a galope: dois dias depois de tomar posse, Collor anunciou um pacote anti-inflacionário, que incluiu o confisco de todo o dinheiro depositado em conta corrente e na poupança. Deixou todos, indivíduos e empresas, pasmos e de bolso vazio. Collor, numa jogada de marketing, tentou ganhar simpatia dizendo: “Eu tinha apenas uma bala para matar o tigre da inflação e acertei o alvo”. Bala perdida, infelizmente. A inflação voltou com força, acompanhada de recessão e desemprego. Em janeiro de 1991, o governo tentou um segundo tiro com o Plano Collor II, outro fiasco. Nunca antes na história do país se vira a popularidade de um presidente cair pela metade da noite para o dia.
Começaram a pipocar escândalos – e denúncias. A mais grave delas formulada por Pedro, irmão de Fernando, dava conta da montagem de um denominado esquema PC Farias – referência ao ex-tesoureiro de campanha de Collor, Paulo César Cavalcante de farias e testa de ferro de Fernando. A fartura de provas alimentou uma CPI cujo relatório final apresentado em agosto de 1992 recomendou o impeachment. Estudantes saíram às ruas em protestos e manifestações coloridas – os cara-pintadas. Sucederam-se outras manifestações de protesto, evidenciando o isolamento do presidente. Seu último ato foi renunciar ao cargo, em 29 de dezembro de 1992. Mesmo assim, o Congresso votou o impeachment por corrupção e o presidente teve os direitos políticos cassados por oito anos. Nunca mais voltou a disputar o Planalto, embora tenha sido eleito senador e tenha perdido para o governo de Alagoas. Quanto aos “marajás”, ficaram como lembrança daqueles tempos “coloridos”.