Nonato Guedes
Achando poucos os graves problemas com que se debate o Brasil, entre os quais o inexplicável derramamento de óleo poluente em praias do litoral do Nordeste, o que tem causado apreensão generalizada e retração do turismo, por razões óbvias, o presidente Jair Bolsonaro, em passeio pelo exterior, achou por bem meter a colher nas eleições presidenciais de um país vizinho – a Argentina, onde a chapa peronista encabeçada por Alberto Fernández e integrada por Cristina Kirchner logrou ser vitoriosa contra o atual presidente Maurício Macri, em primeiro turno. “Lamento. Eu não tenho bola de cristal mas acho que a Argentina escolheu mal”, obtemperou Bolsonaro em conversa com jornalistas, antes de partir dos Emirados Árabes Unidos, sinalizando que não se dispunha sequer a felicitar o mandatário.
Bolsonaro tinha lá suas razões para algum tipo de desconforto, como o ostensivo posicionamento do candidato Fernández a favor da liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, que aniversariou no domingo, dia em que o futuro da Argentina foi decidido nas urnas. Houve, também, a ida de parlamentares da esquerda brasileira à Argentina, como estratégia para se aproximar do novo governo e, assim, ganhar um aliado na batalha pela libertação de Lula. Em termos diplomáticos, Bolsonaro foi infeliz, deselegante e mal-educado. Afinal de contas, não lhe cabe ingerir na manifestação de voto do eleitorado argentino – onde ele não tem domicílio eleitoral, da mesma forma como não caberia ao governo da Argentina imiscuir-se na eleição presidencial de 2018 no Brasil, em que o capitão reformado derrotou o candidato Fernando Haddad, “ventríloquo” do ex-presidente Lula, que cumpre pena na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.
O grito de “Lula Livre” ensaiado e publicizado em todo o mundo por Alberto Fernández soou inoportuno para ser levado à campanha para presidente da República do país vizinho. Trata-se de questão afeta à soberania do Brasil, que está sendo equacionada com recursos no Supremo Tribunal Federal que projetam, até, a perspectiva de concessão de liberdade de Lula mais cedo do que ele desejaria, talvez, e no tempo que já vai tarde, na avaliação passional dos lulopetistas fanáticos, que organizam acampamento em Curitiba para pressionar a Justiça, amolecem magistrados na concessão de facilidade para romarias diárias e semanais ao ex-presidente na capital paranaense e quebram restrições de ordem legal para entrevistas do presidente presidiário. Lula, já foi dito, é um preso especial, que tem direito a regalias, como ele acaba confessando em depoimentos que profere. Recebe visitas, livros, pen drives, assiste jogos do Corinthians, o seu time do coração, tem batido recorde nas entrevistas para imprensa do Brasil e do exterior. Falta só a cadeira presidencial que, como ele sabe, fica em Brasília, no Planalto, para a qual tem a ilusão de voltar já em 2022, derrotando, de preferência, Bolsonaro ou Sérgio Moro, este convertido por Lula em grande algoz, do qual não esquece nunca.
À parte essas “esquisitices” da política brasileira (há coisas que só acontecem aqui), preocupa alguns setores formadores de opinião do empresariado brasileiro a postura de Bolsonaro ameaçando examinar a hipótese de retirada do Brasil do bloco do Mercosul. Na verdade, o presidente do Brasil pôs-se em estado de expectativa, esperando que Fernández assuma e que tome as primeiras decisões práticas no comando da Nação. Ou seja, Bolsonaro, aparentemente, quer dar a trégua que todo presidente merece no “intermezzo” entre a eleição e a posse. “Vamos esperar o banho de realidade que ele (Fernández) vai ter. A Argentina não vai bem”, comentou Bolsonaro. Se não quer sair propriamente do Mercosul, o presidente acena com a união com o Paraguai para fazer frente à Argentina, reeditando um confronto que já se deu por ocasião da construção da usina bi-nacional de Itaipu. A tese de Bolsonaro é de que, se a Argentina ferir alguma cláusula do acordo do Mercosul, poderá ocasionar movimentos que levarão inexoravelmente ao seu isolamento.
A Argentina vive o seu pior cenário econômico e social em dez anos e prenuncia-se uma recaída populista, até pela presença de Cristina Kirchner na chapa, que talvez dificulte a recuperação em termos racionais e objetivos a curto prazo. Fernández poderia passar sem o registro em publicação no Instagram de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está preso injustamente e que é “um homem extraordinário”. O que se nota é há provocações, beirando a picuinhas, de parte à parte. Uma lamentável falta de diplomacia – aqui e lá.