Nonato Guedes
O ex-senador paraibano Humberto Coutinho de Lucena, que faleceu aos 69 anos de idade a 13 de abril de 1998 em São Paulo, tentou por três vezes disputar o governo do seu Estado, mas não logrou êxito, ora porque abriu mão em favor de outros postulantes, históricos do PMDB ou recém-adesistas, ora porque fatores externos conspiraram para inviabilizar a pretensão. Não obstante, Humberto cravou recorde de longevidade como parlamentar – de deputado estadual a senador, e por duas vezes presidiu o Senado Federal, derrotando nomes respeitáveis como Nelson Carneiro (RJ) e José Fragelli (MS). Em entrevistas a jornalistas paraibanos, Lucena assumia que a maior frustração da sua vida pública foi não ter concretizado o sonho de ter governado a Paraíba, “por razões que não dependeram da minha vontade”.
A primeira chance de Humberto ser candidato ocorreu em 1965, com o regime militar já instaurado. Lucena chegou a se submeter a uma espécie de prévia no antigo PSD, mas obteve apenas 18 votos contra 23 dados a Ruy Carneiro, que acabou perdendo nas urnas para João Agripino, da UDN. Em depoimento que prestou ao jornalista Severino Ramos, já falecido, Humberto contou que só anos mais tarde, por volta de 1971, ele soube da verdadeira história do impedimento de sua candidatura. O general Candal da Fonseca, que era comandante do Grupamento de Engenharia em João Pessoa e foi, também, comandante do IV Exército, no Recife, chamou o senador Ruy Carneiro, a pedido do presidente Castelo Branco, e vetou o nome de Humberto, apontando-o como “subversivo”. De forma taxativa, Humberto declarou ao jornalista: “O fato é que eu não fui governador em 65 porque fui vetado pelos militares”. Das três oportunidades perdidas, a última se deu em 1986, quando Humberto era o candidato natural a governador mas enfrentou problemas cardíacos e teve que se internar no Incor em São Paulo. De lá, expediu proclamação abrindo mão da candidatura em favor de Tarcísio Burity, que havia aderido ao PMDB após romper com o PDS-PFL. Mesmo assim, Lucena foi mantido como candidato a senador, saindo vitorioso juntamente com o empresário Raimundo Lira, até então neófito em política.
Sobre o cenário de 86, Humberto desabafou que o seu partido achou que ele não ganhava a eleição para governador e preferiu apoiar o então deputado Tarcísio Burity. Isto o abalou bastante, conforme relatou, até porque Lucena tinha a convicção de que seria eleito, inclusive porque o PMDB fez todos os governadores de Estado, com exceção de Sergipe, favorecido pelo Plano Cruzado que havia sido baixado pelo presidente José Sarney. “Eu podia não ter sido eleito com uma maioria de 300 mil votos, como Burity, mas teria sido por 200 mil”, adiantou. A maioria de 300 mil sobre Marcondes Gadelha, o candidato do PFL-PDS, foi arredondada – na prática, a diferença alcançada por Burity foi de 295 mil sufrágios. Humberto foi presidente do MDB-PMDB na Paraíba e era conhecido como um conciliador nato. Foi assim que em 1982 ele concordou em assimilar a candidatura de Antônio Mariz, egresso da dissidência arenista, ao Palácio da Redenção, e em 1986, concordou em assimilar a candidatura de Burity, também dissidente. Mariz perdeu o páreo por 151 mil votos para o candidato Wilson Braga, do PDS, reforçado por três máquinas poderosas – federal, estadual e municipais. Em 90, o PMDB investiu na candidatura do filiado Ronaldo Cunha Lima, que derrotou Wilson Braga em segundo turno e em 1994 apostou fichas em Antônio Mariz, que derrotou Lúcia Braga, mas morreu antes de completar um ano de mandato, sendo sucedido por José Maranhão, reeleito em 1998.
Neto de Solon de Lucena, que governou a Paraíba de 1920 a 1924, Humberto foi personagem e testemunha de fatos marcantes da história recente do Brasil. Como presidente do Congresso, em 1988, foi decisivo na elaboração da denominada “Constituição-Cidadã”, derivada da Assembleia Nacional Constituinte em que a estrela maior foi o falecido deputado Ulysses Guimarães, outro hábil articulador da conjuntura política brasileira. Humberto Lucena foi eleito deputado estadual com 22 anos e, como candidato à reeleição, foi o mais votado de todos os partidos à Assembleia Legislativa da Paraíba. Em 1958, obteve sua primeira vitória como deputado federal, reeleito em 1962. Tomou posição firme contra o golpe militar de 1964 desde a primeira hora e não compareceu à escolha de Castelo Branco para presidente, em sinal de protesto, apesar de telefonemas de Ruy Carneiro insistindo no seu comparecimento. Com a extinção do PSD e de outros partidos, Lucena foi um dos primeiros a se filiar ao MDB, onde atuou de forma combativa, denunciando, por exemplo, violações de direitos humanos praticadas pelo regime militar que, então, começava a mostrar as garras do autoritarismo que predominou na sequência. O ex-deputado estadual paraibano Manuel Gaudêncio, conhecido pela sua verve, costumava dizer que “no horóscopo” de Humberto não havia a palavra governador. Dito e feito!