Por Nonato Guedes
O bárbaro assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSOL do Rio de Janeiro, teve repercussão internacional, investigações contraditórias e um punhado de versões sinalizando para o envolvimento de “milicianos” que teriam algum tipo de ligação com o “clã” familiar do presidente Jair Bolsonaro, referência, sobretudo, aos filhos que só têm atrapalhado a gestão do pai, com o olhar indulgente deste. O fato novo foi a divulgação, ontem, pela Globo, de notícias indicando que o caso da morte de Marielle respinga com força não apenas no “clã” mas junto à figura do próprio presidente, diante de anotações da portaria de um edifício na Barra da Tijuca, Rio, onde consta o registro do recebimento, por Bolsonaro, de um dos implicados na tragédia.
Em outras palavras: o gato subiu ao telhado e o caso chegou ao coração do Palácio do Planalto, mais precisamente à figura do presidente da República, que em “live”, ontem, em redes sociais, lançou mão da sua tática predileta: tentar desmoralizar as organizações Globo, ameaçando, inclusive, com não renovação da concessão de funcionamento das empresas do grupo Marinho. Desta feita, abstraindo a idiossincrasia de Bolsonaro com a Globo, a vida não está nada fácil para o presidente. O PSOL já botou a boca no trombone, ganhou a solidariedade de outros partidos de esquerda e de entidades de defesa dos direitos humanos e o presidente está na agulha para vir a enfrentar processo no âmbito do próprio Supremo Tribunal Federal, a que tem fustigado ultimamente, inclusive do exterior, referindo-se, de forma infeliz, a ministros da Corte como “hienas” que estariam mancomunadas para destituí-lo do cargo.
Bolsonaro, como o Brasil aprendeu a conhecer, é movido a paranoias, tem a síndrome do escorpião desagregador nas veias e não pensa duas vezes antes de dizer besteiras sesquipedais. O caso “Marielle” é um fantasma que o assombra desde a ascensão à Presidência da República e se soma ao caso do Fabrício Queiroz para formar a caudal de desgaste de um governo que não prima pela democracia, que não está treinado para receber críticas, que é incapaz de rasgos de humildade, embora, em diapasão ciclotímico, diariamente seja compelido a desmentir afirmações pronunciadas, passando a sensação de insegurança, de instabilidade, de despreparo para gerir os destinos do país. A birra com o Supremo Tribunal Federal vem de priscas eras, quando o capitão escalou um dos filhos para dizer que era fácil fechar a Suprema Corte de Justiça do país – bastavam um cabo e um soldado, que ficariam incumbidos de fechar as portas da Casa e jogá-las no Lago Paranoá em Brasília. Bolsonaro já se indispôs com o Congresso Nacional por dá cá aquela palha, xinga governos de diferentes países e está largando o PSL, que lhe deu régua e compasso para registrar a candidatura a presidente, sem o menor pingo de remorso.
É um presidente que se coloca acima das instituições, que se acha ungido para dotar o Brasil de uma “Era Salvacionista” que mistura elementos de religiosidade evangélica a pretexto de torná-lo invulnerável a maus presságios, a maus agouros, até mesmo a violências contra ele. Toda essa coreografia do capitão não impediu que ele fosse esfaqueado em plena campanha eleitoral, por um tal Adélio Bispo, durante evento em Juiz de Fora, Minas Gerais. Como todas as histórias que envolvem Bolsonaro, os casos envolvendo seu nome são rumorosos, obscuros, absolutamente intransparentes, repletos de meias-verdades ou de mentiras facilmente desconstruídas à luz de verdades que sempre aparecem. O presidente dá a impressão de viver permanentemente no reino da fantasia. É um deslumbrado com o poder, mas no poder se revela um arrivista. A sorte é que Deus é brasileiro e tem evitado coisas piores, abalos sísmicos que poderiam ser extremamente fatais para o futuro da população brasileira.
As críticas fundamentadas ao governo e ao presidente Jair Bolsonaro, com suas relações tenebrosas implicadas até com o submundo da violência – ou, se as provas o demonstrarem, do crime – não elide a visão crítica sobre os descaminhos do Partido dos Trabalhadores, sobre a máquina de roubar o erário que foi montada na Era petista, senão com o aval direto do ex-presidente Lula da Silva, com o seu conhecimento. Mas o enredo de agora não convida à ressurreição do “Fla X Flu” eleitoral que pontuou a campanha de 2018. Reze o presidente Bolsonaro para não ficar refém dos Gregórios Fortunados que infelicitaram a vida de um estadista – Getúlio Vargas, ou dos PC Farias que dinamitaram o mandato presidencial de Fernando Collor e, por último, dos Zé Dirceus da vida que arrastaram o companheiro Lula para a Polícia Federal. A grande tragédia do Brasil é a tragédia política – ainda hoje.