Nonato Guedes
A colunista Dora Kramer, da revista “Veja”, afirma que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveita-se da prisão que está cumprindo na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba para fomentar a “mitologia” em torno dele e adverte que, uma vez solto, o líder petista enfrentará uma dura realidade simbolizada pelo seu isolamento social. Kramer adianta que no aspecto jurídico Lula continuará inelegível mesmo que saia da sala da PF em decorrência da derrubada da prisão depois da segunda instância. “Voltará a ter ficha eleitoral limpa só no caso de uma outra decisão do Supremo vir a anular a sentença de Sergio Moro no processo do tríplex do Guarujá. Ainda assim, o ex-presidente responde a mais oito ações, cujo andamento pode novamente lhe suprimir a liberdade e/ou a elegibilidade. Tantos processos desautorizam maiores otimismos”, avalia a colunista.
Sobre o universo da política e dos fatos, sublinha Dora Kramer: “É nele que Lula terá de transitar depois de libertado. Pois é justamente nesse mundo que ele já não vinha transitando bem havia tempo, muito antes da prisão e desde que se agravou sua situação na Justiça com repercussão na política. O ex-presidente não frequentava – nem falava em – ambiente que não fosse de convertidos ao seu altar do petismo mais exacerbado. Entrevistas só para simpatizantes e circular em público nem pensar. De uma pessoa tão importante e querida seria de esperar que andasse por aí a desfrutar a popularidade. No entanto, nunca se viu Lula em restaurantes, cinemas, teatros, aeroportos nem em estádios em jogos de seu amado futebol. Incomparavelmente menos festejado nas pesquisas, Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, vai a todo lugar e fala em toda parte sem restrições desde que deixou a Presidência”.
E conclui Dora: “E o discurso do Lula livre, será como disse outro dia o do pacificador? Incongruente com a autoria da dinâmica do “nós contra eles”, cuja consequência tem hoje assento no Palácio do Planalto. Preso, pode exercitar a intransigência típica dos carismáticos. Quando exige absolvição total soa convicto, algo a ser lido como “ele deve ter razão”. Solto, terá de se ver com a realidade, por vezes uma madrasta”. Dora observa que cedo ou tarde Luiz Inácio Lula da Silva terá de sair da situação de restrição de liberdade em que se encontra. E adverte que o termo “cadeia” não se aplica, está mesmo a léguas de distância das instalações da Polícia Federal, onde Lula tem televisão, geladeira, se exercita na esteira, recebe visitas ilustres, dá entrevistas, divulga comunicados de orientação política ao PT, contesta o que acha que deve ser contestado em seus processos, emite julgamento sobre seus julgadores, tem, enfim, regalias de que nenhum outro condenado dispõe, até porque é o único ex-presidente da República a viver em semelhante condição”.
Segundo Dora Kramer, “em se tratando de Lula, tudo é sempre muito peculiar. Porta=voz do lema “Nunca antes neste país”, é o ineditismo em pessoa, tenha tal conceito o significado que melhor convier ao gosto do freguês. De todos os investigados no esquema de corrupção na Petrobras, foi o único a causar impacto quando alvo de operações de busca por documentos em sua residência e a provocar comoção por ocasião da condução coercitiva para prestar depoimento em processos na Lava-Jato. Ali se fizeram as previsões mais tenebrosas sobre as possíveis consequências do tratamento dado pela Polícia Federal e pela Justiça ao ex-presidente. Nada aconteceu. De novo se desenhou no horizonte um cenário de perturbação social quando da decretação da prisão após a condenação em segunda instância no caso do apartamento do Guarujá, uma gentil oferenda da OAS. Chegou-se a falar em revolta popular em seguida, à luz dos fatos circunscrita às imediações do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e depois ao acampamento no entorno da sede da PF em Curitiba”.
– Nesse tempo em que o Supremo Tribunal Federal voltou a examinar a questão da prisão após a sentença confirmada em segundo grau e de decisões passíveis de anular a condenação no caso do tríplex, voltam à cena as conjecturas. Desta vez sobre o papel a ser exercido por Lula na política, em particular a influência dele nas disputas de 2020 e 2022. Pesquisa Veja/FSB mostra o ex-presidente como o nome eleitoralmente mais viável entre os antagonistas de Bolsonaro localizados à esquerda. Até aí, nenhuma surpresa, inclusive porque ele não é o mais forte; é o único nesse campo capaz de competir em boa situação. Algo que para Bolsonaro seria a composição dos sonhos numa campanha, para repetir o enfrentamento que o levou à Presidência. Mas a realidade é um tanto diferente do mundo dos números de pesquisas colhidas quando ainda há um volume oceânico de metros cúbicos a passar por baixo da ponte e inúmeros obstáculos a ser superados antes de se considerar de maneira racional Lula como uma força real e objetiva, para além da mitologia”, acentua Dora Kramer.