Por Nonato Guedes, com “Memória Globo”
No livro “JN – 50 Anos de Jornalismo”, as diretoras de programas e projetos especiais de jornalismo da Rede Globo Maria Thereza Pinheiro e Teresa Cavalleiro descrevem, em detalhes, o formato de coberturas especiais das eleições presidenciais no “Jornal Nacional”, desde 2002. Dizem que a introdução de outras formas de narrativa enriqueceu a cobertura, despertou uma curiosidade maior do público e inaugurou uma nova maneira de tratar assuntos que podem ser áridos. Uma das maiores mobilizações do histórico do “JN” foi a campanha “O Brasil Que Eu Quero”, que deu voz a telespectadores dos municípios brasileiros e começou ao ir ao ar já em janeiro de 2018, durando quase dois meses.
Repórteres e âncoras entravam em todos os telejornais, nacionais e regionais, pedindo a colaboração de todos e ensinando a como gravar a mensagem de quinze segundos: com o celular na horizontal, enquadrando o ponto que identificasse a cidade ou o problema que se quisesse mencionar. A campanha deu tão certo, dizem as diretoras de projetos especiais, que o pedido “gravar com o celular na horizontal” rendeu vários memes nas redes sociais e o celular deitado virou até fantasia de carnaval, inequívocos sinais de adesão ao projeto. O mesmo aconteceria quando o “O Brasil Que eu Quero” entrou no ar em quatro de março. Foram centenas de memes divertidos, que ajudaram a popularizar a ideia.
O embrião da ideia partiu da produtora Clarissa Cavalcanti, em um workshop interno da Editoria de São Paulo: pedir ao público, via G1, sugestão sobre o que poderia melhorar em sua cidade. Era um passo a mais na integração entre duas plataformas, a TV e a Internet, uma alimentando a outra. A ideia era ter, durante as eleições, um banco de dados com problemas e personagens, à mão para serem usados em reportagens. Ali desenvolveu então uma outra ideia: cada um dos 5570 municípios do Brasil teria voz nos vários telejornais de rede da Globo. Solicitava-se que telespectadores mandassem vídeos de até quinze segundos e era escolhido um único de cada cidade, respondendo à pergunta: “Que Brasil você quer para o futuro?”. A estratégia para receber os vídeos, selecioná-los, exibi-los e distribui-los em sete telejornais de rede exigiu a participação fundamental do departamento de Tecnologia da Globo, que em parceria com o portal G1 criou uma plataforma para receber as mensagens, atualizada automaticamente. Era um sistema sofisticado, que permitia à equipe da Globo saber, diariamente, quantos vídeos tinham chegado, de onde, e ainda fazer pesquisas pelo remetente, pela cidade, estado, data, etc. “Era um sofrimento diário”, lembram expoentes da produção de projetos especiais. A avaliação, ao final, foi extremamente positiva.
Nessa avaliação, foi contemplada uma agenda razoável para o governo que seria eleito. E, para surpresa de editores, repórteres e produtores, em um país com um alto índice de desemprego, a educação foi o desejo mais expressado entre os quase sessenta mil brasileiros que mandavam vídeos para a Globo. Uma vez aprovados, os vídeos eram enviados on-line para três duplas de edição, de texto e imagem, que montavam os pacotes para cada telejornal. Muitas vezes, produtores e editores, sob a coordenação de William Bonner, tiveram que telefonar para tirar dúvidas sobre quem mandara o vídeo. Embora existissem 229 milhões de celulares no país, o acesso à internet é menor, atingindo cerca de 64% da população. Não raro, quem estava cadastrando o vídeo no G1 não era exatamente o autor do vídeo, mas um amigo, conhecido ou parente que tinha internet. Outras vezes, o vídeo trazia um pedido inusitado que não tinha aparecido ainda mas tinha problemas de captação de áudio ou de imagem. Os produtores entravam em contato com a pessoa e pediam para regravar. A grande maioria atendeu ao pedido.
As diretoras de programas e projetos especiais ressaltam que o sucesso foi tão grande que motivou a ampliação do projeto inicial. Uma equipe de dez pessoas foi montada rapidamente para assistir aos mais de cinquenta mil vídeos recebidos e tirar deles um painel significativo de informações: quem são esses brasileiros, onde vivem, quantos homens, quantas mulheres, quais os cinco desafios do nosso país que mais apareceram nos vídeos. O trabalho durou um mês e, com base nele, “Fantástico”, “Globo Repórter”, “Jornal Nacional” e “Como Será?” traçaram retratos aprofundados de alguns dos nossos brasileiros. “Encontramos atrás daquelas mensagens de quinze segundos histórias comoventes e inspiradoras”, atestam as diretoras de projetos, concluindo: “É assim que funciona uma editoria de projetos especiais. Nada do que se vê em televisão é improviso. Projetos levam meses para sair do papel, equipes se dedicam em tempo integral para desenhar a estrutura, parasse antecipar a problemas. O resultado, porém, fica registrado para sempre”.