Da Redação, com Folhapress e agências
Artistas como o cantor Caetano Veloso, o cineasta Luiz Carlos Barreto e os atores Caio Blat, Caco Ciocler e Dira Paes participaram, ontem, em Brasília, de uma audiência pública no Supremo Tribunal Federal para debater medidas do governo Jair Bolsonaro que, conforme eles, impõem novas formas de censura às artes audiovisuais no país. A audiência foi presidida pela ministra Cármen Lúcia, relatora de uma ação ajuizada pela Rede Sustentabilidade contra decreto do governo que transferiu o Conselho Superior do Cinema para a Casa Civil, ligada à Presidência, e contra uma portaria do Ministério da Cidadania, datada de agosto, que suspendeu um edital de obras que seriam exibidas em TVs públicas.
Entre as obras havia séries que tratavam de diversidade sexual. Segundo artistas, um novo tipo de censura está se consolidando por meio da criação de filtros ideológicos para que o poder público financie produtos culturais, e parte da categoria já atua com medo. Ao abrir a audiência, Cármen Lúcia deixou claro que o evento não tinha a intenção de debater censura. E explicou: “Censura não se debate, censura se combate, porque censura é uma manifestação da ausência de liberdades, e a democracia não a tolera. Por isso a Constituição Brasileira é expressa ao vedar qualquer forma de censura”, afirmou.
A Rede pediu ao Supremo que reconheça que as medidas do governo atentam contra as liberdades de expressão artística, cultural e de comunicação previstas na Constituição. A audiência pública serve para fornecer informações aos ministros que os auxiliem no julgamento da ação. Além dos artistas, também participaram membros do governo. Ao todo, foram quinze exposições. A audiência prosseguirá nesta terça-feira, com as falas de sindicatos do setor de entidades ligadas à cultura e à liberdade de expressão. Não há data para que a ação seja julgada no plenário do Supremo. Segundo Caetano Veloso, a preocupação com a liberdade de expressão é grande, porque há uma ameaça, “meio vaga”, mas muito repetida, de não aceitação, através da retirada de subsídios ou de possibilidades de realização de projetos.
– É uma censura que se dá através do boicote à produção, seja a montagem de um espetáculo que eles não consideram de acordo com o que eles pensam, seja a produção de um filme que eles acham que ofende o tipo de moral que eles supõem defender. É muito confuso, mas que há um movimentação do tipo censor, há – afirmou. Em sua exposição, Caetano Veloso destacou que essa nova censura é diferente da censura da ditadura militar (1964-1985), quando havia profissionais dedicados a proibir expressamente a exibição de obras ou suprimir trechos delas – como aconteceu com canções de sua autoria. “A mim me preocupa muito, tenho ouvido histórias bastante assustadoras. O alinhamento dos artistas, bancado pelo governo, é um indício extremamente preocupante, porque em todos os exemplos da história, sempre que o governo enxergou a cultura e a arte como uma maneira de propagar ideias que lhe fossem caras, o desfecho foi trágico. A arte não é um instrumento de propaganda de ideias e eu estou ouvindo discursos com essa tentativa”.
Caio Blat, que esteve no elenco da peça “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, emocionou parte da plateia ao recitar trecho do livro no qual o cangaceiro Riibaldo fala de seu amor por outro cangaceiro, Diadorim, que, no final, revela-se uma mulher travestida de homem. “Noventa e nove por cento de “Grande Sertão: Veredas” é um romance homoafetivo. Guimarães Rosa talvez não poderia desenvolver a maior obra-prima da literatura brasileira se ele dependesse desse edital do governo, hoje”, disse. E advertiu que a censura já está instalada no país, “de forma velada, de forma imunda; agora, o que se está fazendo é uma limpeza ideológica velada, tentando excluir os mais fracos, excluir a diversidade. Como é que um edital pode ser recolhido para excluir as minorias dele?”. Dira Paes afirmou que os artistas estão sendo criminalizados e atacados, sobretudo em redes sociais.