Nonato Guedes
Fui um dos entrevistados pela jornalista Priscila Monteiro na preparação do seu TCC de Jornalismo na Universidade Federal da Paraíba. Ela escolheu um tema pertinente, assaz oportuno, para desenvolver – a proliferação de “fake news” ou notícias falsas, mentirosas, na mídia atual, que se tornou evidente a partir de orquestrações ensaiadas na campanha de Donald Trump nos Estados Unidos e, posteriormente, na de Jair Bolsonaro no Brasil. Não sei até que ponto forneci algum tipo de colaboração valiosa a Priscila, idealista, ávida por aprendizado, plenamente receptiva ao intercâmbio, à troca de informações e experiências. O tema mantém-se em evidência, nem tão cedo deverá dar sinais de sair de pauta, mas decepciona-me a leitura que a colunista Dora Kramer, na revista “Veja”, faz sobre o saldo da, na verdade, CPMI, já que composta de deputados e senadores. “Nada sugere que haverá contribuição positiva para reduzir o tamanho e o alcance da chaga, ao contrário: a julgar pelo elenco de convocados e pelos pronunciamentos já antecipados por seus autores, essa CPMI promete ser uma grande lavanderia de roupa suja, bem ao gosto destes tempos em que a educação e o comedimento andam em baixa na escala de valores da sociedade”, obtempera Dora Kramer.
Essa CPI Mista poderia vir a retomar lugar de destaque no noticiário, ainda que por razões tortas. No arrazoado original de sua criação, está dito que se presta ao alegado intuito de destrinchar o universo das notícias falsas divulgadas para difamar e desmoralizar. Na opinião de Dora, poderia prestar um bom serviço ao tema se contribuísse para reduzir o elogio à ignorância vigente no Brasil. E a colunista menciona pesquisa do Instituto Ipsos, apontando que somos o país onde há o maior número (62%) de pessoas que acreditam nas tais “fake news”. Da banda interessada numa grande lavanderia de roupa suja, conforme Kramer, o governo Bolsonaro é o general, comandante em chefe de uma tropa que não inclui apenas seus seguidores, digamos, ideológicos. É integrada, também, por aqueles que o criticam considerando que fazê-lo em termos igualmente vulgares e grosseiros equivale a um belo exercício cívico, “quando na verdade expressa apenas falta de educação e dá notícia da existência de preguiça mental”.
Lamentavelmente, observa Dora Kramer, é isso que faz sucesso. A palavra é dela: “A continência verbal está fora de moda. Deu lugar à contundência tóxica, fator de mobilização daquele tipo de indignação temperada pela sensação de engajamento político-social. Tão numerosos são os adeptos dessa moda da estação que a moderação, antes um atributo positivo, agora é tratada como defeito. Quem professa crença na compostura é chamado de “isentão”, termo que passou a ter caráter pejorativo e de uso atualmente difundido entre aqueles que se dizem contrários a modos exacerbados. Apenas em tese porque, na prática, exibem comportamento que nada deixa a dever ás tresloucadas incontinências do presidente e companhia”.
Prossegue Dora Kramer: “Boa parte se diz moderna, da esquerda, progressista, em contraponto aos ditos retrógrados, de direita, conservadores. Ora, conservadorismo nem de longe se confunde com condutas primitivas. Ressalta o valor da polidez, cultiva o tradicional, não necessariamente o anacrônico, preza a formalidade e respeita os rituais. Tudo isso é depreciado pelos considerados de esquerda e nada disso está presente no cardápio dos que se dizem representantes da direita, mas que na realidade atuam para desmoralizar de antemão uma corrente existente na sociedade e que está sub-representada nesta nossa democracia ainda imatura, distante do ideal de pluralidade e convivência entre contrários”.
Há um outro ponto relevante que Dora Kramer aponta e que, na verdade, praticamente abre o seu comentário lúcido na revista “Veja”: é a constatação de que, transformadas em instrumentos de chantagem e de mera pressão, as ditas comissões parlamentares de inquérito perderam a significação de outrora. Isso, muito em virtude do papel ativo da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal na investigação de malfeitorias público-privadas. Baixou-lhes o facho, também, a falta de moral dos congressistas para atirar a primeira pedra na direção de quem quer que seja. Afinal, não é segredo para ninguém que um número expressivo de parlamentares, quer senadores, quer deputados federais, está sob menção na Operação Lava-Jato. Pode ser que a CPI de “fake news” dê em nada. Não tem problema. A sociedade, independente de CPIs, está cada vez mais consciente do que é mentira ou verdade. Tem um poder de discernimento que muitos imaginam. E gosta de responder, mesmo, é nas urnas. Onde exerce o sagrado direito de pôr e depor. Pelo menos isto talvez ajude a não frustrar figuras idealistas como a jornalista paraibana que já está atuando no mercado de trabalho.