Nonato Guedes
O pacote de reformas no serviço público despachado para o Congresso pelo presidente Bolsonaro e ministro Paulo Guedes dá ênfase à questão da austeridade nos gastos públicos como indispensável para viabilizar projetos de repercussão social. A austeridade, é claro, implica cortes de gorduras, numa estratégia fulminante para reduzir o tamanho do Estado mastodonte que temos desde priscas eras. Há alguns tabus enxertados no pacote, tais como a regulamentação da criação de municípios. A finalidade, nesse caso, é barrar a farra da emancipação de distritos a cidades ou municípios sem que tais localidades preencham requisitos legais e constitucionais para tal progressão.
Não é de agora que se fala em austeridade. O tema ressoa sempre que a máquina administrativa aparenta estar enferrujada e os governos ficam impotentes para gerar recursos. No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, vários experimentos foram testados, como a chamada Lei Kandir. O ponto de destaque, porém, foi mesmo a Lei de Responsabilidade Fiscal porque, numa ponta, focava no equilíbrio do caixa e na outra ponta acenava com punições para os maus gestores. A Lei de Responsabilidade foi um tremendo alívio para governantes de diferentes estirpes, embora muitos deles não assumissem a apologia ao dispositivo, temendo repercussão negativa junto aos políticos, que são os maiores gastadores da República.
Na Paraíba, quando se instalou o governo de Antônio Mariz em 1995, ele e o seu vice, José Maranhão (que ainda é senador, enquanto Mariz morreu no primeiro ano do mandato) passaram a conjugar de forma afinada o mantra da austeridade com desenvolvimento. Significava doutrinar a sociedade sobre medidas tomadas com vistas a golpear a adiposidade da máquina, que nunca parou de inchar no Brasil nos tempos ditos republicanos. Um achado na equipe do governo Mariz-Maranhão foi, posteriormente, converter o mantra em “Austeridade é Desenvolvimento”, como forma de sensibilizar a opinião pública sobre os resultados obtidos com o enxugamento de despesas. Com os gastos cortados, sobravam recursos para investimentos em setores essenciais ou de infraestrutura. Este era o simbolismo que a dupla Mariz-Maranhão procurou transmitir a paraibanos e paraibanas.
Mais do que Mariz, Maranhão foi quem popularizou a denominação “austeridade”. Que combinava com seu perfil morigerado no ato de gastar seu próprio dinheiro. Maranhão agiu o quanto pôde para drenar desperdício das fontes públicas de recursos. Em paralelo, havia, também, o desafio de manter em dia o pagamento da folha de pessoal. A esta altura o patamar da folha de pessoal alcançava percentuais estratosféricos e não havia outra saída à vista senão apelar para a tesoura. A União cobrava dos Estados o mínimo de responsabilidade no gerenciamento das suas contas para que pudessem fazer jus ao aval do Tesouro Nacional para novos encargos. Por algum tempo, juntamente com a minha querida colega Fábia Carolino, apresentei o programa “Palavra do Governador”, que era semanal. Não se passava uma semana sem que Maranhão repisasse a tecla da austeridade como mecanismo para facilitar demandas do desenvolvimento.
Era inequívoca a afinidade entre José Maranhão e Antônio Mariz em termos de filosofia administrativa. Ecoavam em seus ouvidos as palavras de Tancredo Neves, dirigindo-se ao colégio eleitoral, de que seria proibido gastar num virtual governo seu que, como todos sabemos, acabou empalmado por José Sarney, o dissidente do regime militar. Para os líderes paraibanos o exemplo vinha de cima e urgia que Estados e municípios se adequassem aos novos tempos, sob pena de ficarem marginalizados na estrada, perdendo o bonde da História, que exigia transformações econômicas e sociais a galope. Não é o caso de dizer que tenham sido cumpridas, ao pé da letra, as determinações, tanto no plano n acional como no plano estadual. Mas houve intervenções pontuais que demarcaram o limite das ações de governo e, aos poucos, foram extirpando a cultura perdulária que infelicitava a Nação.
Agora é Bolsonaro quem fala em austeridade. E o ministro Paulo Guedes, seu fiel escudeiro nessa travessia, antecipa que a reforma do Estado será uma das mais revolucionárias e importantes na estrutura administrativa e no serviço público brasileiro. A sociedade, é evidente, oferece um crédito de confiança, na ilusão ou expectativa de que as coisas se ajustem a contento. O presidente Jair Bolsonaro precisa ter muito cuidado para não estar oferecendo à Nação um presente de grego, uma propaganda enganosa, um caso típico de estelionato político-cultural. Quem perderá com isso será, exclusivamente, o governo, por óbvio…