Nonato Guedes
Seja porque esteja atento aos desdobramentos da “Operação Calvário”, que já ceifou secretários e auxiliares das suas gestões, seja porque não lhe apetece travar polêmica com o sucessor João Azevêdo, para cuja ascensão teve papel relevante mas de quem acumula queixas por não estar sendo prestigiado como queria, à altura da dimensão que julga ter no cenário e na correlação de forças políticas da Paraíba, o ex-governador Ricardo Coutinho adota a estratégia, no momento, de focar na discussão dos temas nacionais e, especialmente, na defesa do regime democrático, que é uma bandeira que ele sabe custar caro às oposições e a segmentos de esquerda. Para tanto, dispõe de uma tribuna de destaque – a presidência da Fundação João Mangabeira, instituto de estudos políticos do Partido Socialista Brasileiro, que tem promovido eventos sobre a conjuntura e propostas de alternativas para o impasse que aparentemente o país vive.
Foi nesse sentido que Ricardo posicionou-se, de forma veemente, contra as malfadadas e infelizes declarações do deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, pugnando a volta do Ato Institucional Número Cinco em caso de radicalização promovida por setores da esquerda. Antidemocrática por excelência, a sugestão do filho do presidente assanhou os brios de segmentos que identificam em atos e atitudes do mandatário resquícios de autoritarismo e de saudosismo das medidas de força que vigoraram no período da ditadura compreendido entre 1964 e 1985. De resto, o deputado é uma espécie de ventríloquo do ramerrão do pai, que é incapaz de fazer um agrado, por mínimo que seja, às virtudes da democracia. O ex-quase-futuro-embaixador do Brasil em Washington, que não lida propriamente com a formulação de ideias, por falta de bagagem intelectual para tanto, tem prosperado, com diligência, no tema fastidioso, chegando ao ponto de propor um revisionismo histórico da interpretação sobre o significado de 1964.
Ele não quer “dourar” a pílula, mas impor a apologia à ditadura, com seu contencioso de torturas, assassinatos, prisões ilegais, censura, cassações de mandatos de parlamentares e políticos em geral. A ditadura no Brasil, que contou com o concurso de espiões estrangeiros para se manter ativa e truculenta, foi, para uma parcela expressiva da sociedade, uma Era de terror, ou, conforme outras traduções, a “longa noite das trevas”, em que era proibido respirar. O restabelecimento da democracia plena, como se sabe, demandou lutas históricas, mobilizações fantásticas de ruas, proporcionais à erosão da credibilidade do regime, ao seu desgaste latente, à exaustão a que chegara de forma inelutável ou inexorável. Toda essa cronologia invalida e inviabiliza tentações retrógradas de cunho eminentemente autoritário.
O ex-governador Ricardo Coutinho, que, num suposto erro de cálculo tremendo, do qual teria se arrependido, evitou concorrer a mandato de senador em 2018, permanecendo no exercício do governo até o último dia a pretexto de barrar conspirações de bastidores, no próprio círculo, para a destruição e negação do “legado socialista” que diz ter repassado aos paraibanos e paraibanas, está a braços com a luta interna para se assenhorear por completo do comando do PSB, legenda para a qual migrou quando foi ameaçado de expulsão no Partido dos Trabalhadores por “infidelidade partidária”, segundo consta de resoluções internas expedidas num tempo de caça às bruxas nas hostes do petismo. À primeira vista, não se desenha grave ameaça ao projeto hegemônico de poder no partido que ele se empenha em materializar. O partido está perdendo quadros, que por oportunismo ou por convicção se aliaram a João Azevêdo, mas o personalismo de Ricardo avulta acima da legenda e é o “ímã” para desgarrados da caneta oficial, pródiga em distribuição de cargos ou sinecuras para efeito de acomodação de renda pessoal.
Enquanto Azevêdo avalia com cautela a opção partidária que vai tomar na esteira de uma desfiliação inevitável das hostes do PSB, os seus aliados cuidam, dentro das limitações, de manter a governabilidade, de modo que não haja interrupção no programa de crescimento econômico e social da Paraíba. Isto tem sido feito através da Assembleia Legislativa, onde o oficialismo não perdeu maioria, e junto à bancada federal, onde até parlamentares bolsonaristas acostam-se a reivindicações do governador que, em primeira e última análise, reproduzem reivindicações do povo paraibano. Não é o caso de prognosticar que a situação é confortável nas hostes ditas governistas – pelo contrário, a atmosfera é de insegurança, o clima é dos piores que se possa imaginar. Mas chegará a hora em que o divisor de águas estará feito, com aliados recentes envolvendo-se num moedor de carne para demonstrar prestígio e liderança. Até lá, João se fixa em obras e ordens de serviços e Ricardo foca no debate e na agitação de teses. Um jogo de cena apropriado ou conveniente apenas para a situação de hoje – que fique claro! O futuro…Ah, o futuro a Deus pertence!