Linaldo Guedes
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A Paraíba ganhou mais duas poetas este ano. Ganhou é uma forma tosca de dizer que Jennifer Trajano e Aline Cardoso finalmente estrearam em livro suas produções poéticas. As duas já atuam em movimentos e ações literárias há alguns anos, mas só agora enfeixaram em livro seus inéditos. Jennifer com seu “Latíbulos” e Aline com “A proporção áurea do caos”, ambos os livros publicados pela Escaleras, da Débora Gil Pantaleão.
Bom sentir o frescor de novas poetas surgindo em nossa cena literária. Conversei com as duas autoras. Fiquei encafifado com o título “Latíbulos”, de Jennifer. E ela reconheceu que o termo é difícil para um título, principalmente de um primeiro livro. O conceito do livro, no entanto, não é difícil de explicar: “Passei muitos anos na igreja católica e a estrutura toda da obra segue a de uma missa: ritos iniciais, da palavra, sacramentais e finais; porém resolvi dessacralizar na parte dos ritos sacramentais porque tenho poemas eróticos. Nos iniciais há versos sobre coisas diversas, no da palavra sobre Deus (sentido amplo) e já nos finais é uma surpresinha. Algumas pessoas me perguntaram se deixei de acreditar em Deus, por conta desse livro. Acho engraçado isso de elas não saberem separar as coisas”.
Jennifer fala que há um conto de Jorge Luis Borges chamado “O zahir”, que quer dizer “algo ou alguém que uma vez tocado ou visto jamais é esquecido; situação que ocupa o pensamento e pode levar à loucura”. “Nunca esqueço um verso que senti em mim de alguma forma, tanto que tenho mania de aprender a recitar os mais significativos, de tanto que ocupam meu imaginário. A poesia é uma espécie de zahir, com uma diferença: não insere, salva da loucura”. E acrescenta: “Leio muito e não tenho uma consciência clara de todos que me influenciam, por certo o(a) leitor(a) perceberá melhor. A poeta Moama Marques por exemplo, autora da orelha do meu livro, viu muito de Hilda. Eu noto que pessoas desconhecidas, olhadas na rua, ou então rostos inexistentes mesmo me movem a escrever. Tal fato ocorre porque o mistério sempre me atraiu, fazendo-me ser capaz até de inventar um para cavar com as palavras”.
Já Aline Cardoso, joga a gente em seu caos poético. Ele me explicou que “A proporção áurea do caos” trata de imersão pelo olhar de uma mulher nos próprios abismos e prazeres, num reflexo de experiências que vivenciou direta ou indiretamente em processos criativos. “O livro é perpassado pela voz que desponta de um sussurro, digo isso porque há poemas ali escritos em 2010. Estamos agora em 2019, somente depois de nove anos os textos foram finalmente publicados. Estão ali a mãe de Marina, a companheira, a filha e principalmente a figura da bruxa como um espectro que desde a capa encara o leitor, altiva, passeando pelos versos curtos ao lado da musa em êxtase. Ele é fruto de processos, escrito pela mulher que fui, que deixei de ser e pela que me tornei até aqui. Trata do corpo, da sexualidade, da emancipação, de fragmentos de memórias e experiências-limite, são espelhos distantes e plurais”, conta.
Ativista em saraus e movimentos literários em João Pessoa, Aline Cardoso acredita que estamos imersos no caos. “E acredito que diante dos limites conseguimos avançar e expandir. Vejo que o povo tem se fortalecido, articulado e resistido ativamente da maneira que pode. Seja para manter viva a memória de Marielle Franco, assassinada por denunciar a corrupção ligada a um sistema criminoso envolvendo milícias, ou repudiar o corte de 30% no orçamento da educação. Percebo a literatura, oral ou escrita, como parte essencial da memória de um povo. A poesia é a decantação da memória no espírito das palavras. E este primeiro livro é fruto do fazer poético de uma mulher negra que vivenciou de perto as consequências de tempos, histórias e fazeres sombrios”, frisa.
São duas jovens poetas que oxigenam a literatura paraibana e que têm muito a falar, seja através da poesia, seja através de suas ações.. Entre o mistério e o caos, sentimos a poesia desses jovens pulsar. Forte!
Linaldo Guedes é poeta, jornalista e editor. Com 11 livros publicados e textos em mais de trinta obras nos mais diversos gêneros, é membro da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (Acal) e editor na Arribaçã Editora. Reside em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, e nasceu em 1968.