Nonato Guedes
A Paraíba já foi um celeiro de grandes oradores na política. Eram aqueles sujeitos que exibiam toda a versatilidade do dom de discursar para o grande público, as grandes massas. Proferiam frases que extasiavam os cidadãos comuns, criando legiões de admiradores, provocando polêmicas sobre quem falava melhor. Alcides Carneiro foi um deles. Mas havia, também, José Américo de Almeida e mais: Raymundo Asfora. Ronaldo Cunha Lima e Vital do Rêgo, João Agripino, Antônio Mariz, Marcondes Gadelha, Tarcísio Burity. Quando político, Sílvio Porto encantava multidões em comícios na região do Brejo. Pedro Gondim, além de popular, era bom no verbo. A relação é vasta e citei esses nomes aleatoriamente, mesmo desafiando o risco da omissão ou do esquecimento de outros expoentes da palavra que jorrava nos palanques, da retórica que embriagava.
Era um tempo em que pessoas com facilidade de “decorar” discursos repetiam-nos na íntegra, em quaisquer auditórios improvisados. Por vezes, adversários políticos porfiavam nos respectivos palanques, lançando mão dos recursos da retórica, das figuras de linguagem, das comparações certeiras. O povão adorava, ia ao delírio. Até os bêbados de campanhas eleitorais, que no dizer do doutor Ulysses Guimarães eram sábios e lúcidos, caprichavam na “decoreba”. Quando tomavam um microfone, punham-se a reproduzir as orações entusiásticas dos seus ídolos. No pronunciamento que fez em solidariedade a Humberto Lucena, que teve o mandato cassado pelo TSE por imprimir calendários de fim de ano pela Gráfica do Senado, o ex-senador Antônio Mariz principiou sua fala avisando que não aceitaria apartes. Estava tomado de santa indignação e acusou o Tribunal Superior Eleitoral de ser o “retrato moral decadente das elites brasileiras”. Mariz foi aplaudido de pé e ouvido em silêncio.
E o que dizer dos grandes oradores nacionais, como um Carlos Lacerda (metralhadora giratória da imprensa), Juscelino Kubitscheck (que lapidou a sentença: “Deus poupou-me do sentimento do medo”?) Djalma Marinho, do Rio Grande do Norte, viveu seu instante de glória recusando-se a votar contra o deputado Márcio Moreira Alves em 1968 e mencionando Calderón de La Barca: “Ao rei, tudo; menos a honra”. As citações não eram gratuitas. Eram indispensáveis para enfeitar o bolo da oratória que desabrocharia em meio à expectativa de plateias atentas. Presidentes de República ungidos pelo voto sentiam-se aureolados para brincar com as palavras, de tão íntimos delas que se tornaram. Os aplausos forneciam a medida exata da repercussão dos discursos, enquanto as vaias constituíam o contraponto.
Uma das explicações do doutor Ulysses para colapsos institucionais no Brasil era a de que o povo era “desafeiçoado à política”, mas não era bem assim. O povo pode ter votado errado muitas vezes em candidatos a presidente da República que traíram a confiança da Nação, mas acertava nas escolhas mais do que cometiam equívocos. Hoje, no Brasil, a paisagem é extremamente desoladora. Falta um Pedro Simon no Congresso Nacional. Na presidência da República temos um capitão reformado que dá entrevistas monossilábicas porque lhe falta conteúdo como equipamento inexorável para se afirmar perante os eleitores. Jair Bolsonaro ganhou por ser “outsider” na política e porque deu combate ao Partido dos Trabalhadores, no embalo dos escândalos que pipocaram ameaçando a sigla de Lula. Em termos regionais, não há lideranças do porte de um Miguel Arraes que consigam impor-se no cenário brasileiro. A classe política, salvo exceções honrosas, é uma das piores da história do Brasil, segundo atestam especialistas, justificando que a incapacidade dos políticos atuais esterilizou o grande debate, confinado a acusações pessoais, a embates que não acrescentam nada.
O Brasil ressente-se de partidos políticos organizados e que tenham conexão com a sociedade. Há uma sarabanda patética de agremiações que resultam de oportunismo e de interesses pecuniários. Não por acaso é extremamente cobiçada a bolada resultante do Fundo Partidário e distribuído com as cúpulas de agremiações. O nível dos debates no Congresso e, por via de consequência, em outras Casas legislativas, é de uma pobreza de dar pena. Não se agride apenas o vernáculo; agride-se a inteligência do cidadão comum ou mediano que leu Jorge Amado, Gilberto Freyre, Guimarães Rosa, e que sabe perfeitamente discernir o joio do trigo. Se faltam líderes carismáticos capazes de arrastar multidões, a falta da oratória é um corolário desse processo de empobrecimento intelectual. Antigamente, políticos forjavam-se em Centros Cívicos de colégios ou em diretórios acadêmicos de Universidades. Hoje, uma grande parcela da classe política está mergulhada na ignorância crassa, na falta de substância. O Brasil já foi muito bom. Pena que atualmente esteja na pasmaceira que elimina o contraditório e mata o debate, que é o sagrado instrumento para que se aclarem verdades e para que o eleitor volte a se empolgar. Somos o país do “já teve” – daí porque não há muito a comemorar nestes tempos bicudos.