Nonato Guedes, com Folhapress
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vislumbra o caminho da liberdade, que será solicitada hoje pelos advogados de defesa, com base na decisão de ontem do Supremo Tribunal Federal que voltou a barrar a prisão de condenados logo após a segunda instância, revertendo entendimento estabelecido pela Corte em 2016. A decisão do Supremo favorece a soltura de cerca de cinco mil réus, entre os quais Lula, que está recolhido à Superintendência da Polícia Federal em Curitiba desde 2018. Antes da votação, o líder petista vazou declarações de confiança, prometeu que, livre, estará mais à esquerda e anunciou que planeja participar de uma “pelada” (jogo de futebol) com membros do MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que já foi um ativo braço-direito do PT e que se especializou em invasões de terras de proprietários rurais, além de fechamento de rodovias e até queima de pneus nas estradas.
O presidente do STF, Dias Toffoli, foi o último a votar no julgamento de ontem. Ele desempatou o placar e deu o sexto voto contra a execução da pena antes de esgotados todos os recursos do réu. O julgamento da questão começou em 17 de outubro e ocupou quatro sessões plenárias. Relator dos processos da Lava-Jato no Supremo Tribunal, Edson Fachin, que é favorável à prisão logo após condenação em segundo grau, já havia minimizado os impactos de uma mudança ao negar um “efeito catastrófico”. Para Fachin, os juízes responsáveis pela execução penal poderão decretar a prisão preventiva dos réus, mitigando os efeitos da deliberação aventada pela Suprema Corte de Justiça. Na sessão de ontem foram julgadas três ações que abordam o tema de forma abstrata, sem ligação com casos concretos, embora a sombra de Lula permanecesse sobre o tribunal.
– Ninguém sairá desse julgamento, ainda que se altere a jurisprudência, declarado inocente. Nós estamos apenas decidindo qual é o marco inicial do cumprimento da pena quando confirmada a sentença em segundo grau – admoestou Fachin. Presidente do Supremo, o ministro Dias Toffoli, um ex-petista, fez movimentos políticos nos últimos dias a fim de construir um ambiente menos hostil à possível mudança na jurisprudência. No dia 28, Toffoli enviou ao presidente da Câmara Federal, deputado Rodrigo Maia, do DEM-RJ, e ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do DEM-AP, uma sugestão para alterar o Código Penal e evitar que processos penas prescrevam quando houver recurso para as instâncias superiores. Pela proposta, elogiada por Maia, os prazos de prescrição deverão parar de correr quando um condenado apresentar recurso ao STJ, que é considerado uma terceira instância, e ao Supremo.
Em seu voto, o decano da instituição, Celso de Mello, disse que nenhum ministro concorda com a corrupção. Para ele, a sociedade não aceita conviver com marginais da República que subvertem a função política. “Nenhum juiz desse tribunal é contra reprimir (a corrupção) com vigor, respeitado, no entanto, o processo legal. O ministro defendeu que o combate ao crime não pode ferir os direitos dos investigados. “A repressão ao crime não pode efetivar-se com transgressão às garantias fundamentais”. Ele lembrou o papel que o Supremo Tribunal Federal exerce como garantidor da Constituição, afirmou que ela assegura a presunção de inocência e que isso significa que uma pessoa só pode ser presa quando esgotados os recursos. “A proteção das liberdades representa encargo constitucional de que o Judiciário não pode demitir-se, mesmo que o clamor popular manifeste-se contra”. Em seu voto, a ministra Rosa Weber reiterou a tese da presunção de inocência como garantia fundamental prevista na Constituição e que não pode ser lida pela metade. “Trata-se de amarra insuscetível de ser desconsiderada pelo intérprete, diante da regra expressa veiculada pela Constituinte ao fixar o trânsito em julgado como termo final da presunção de inocência. No momento em que passa a ser possível impor aos acusados os efeitos da atribuição da culpa, não é dado ao intérprete ler o preceito constitucional pela metade, ignorando a regra”, declarou, arrematando: “O Supremo é o guardião do texto constitucional, não seu autor. A interpretação não pode negar o texto e nem afastá-lo, por melhores que sejam as intenções”.