Nonato Guedes
A volatilidade de decisões do Supremo Tribunal Federal, com o prende-e-solta de réus ao sabor das conveniências de ministros, não à luz da interpretação imparcial das leis, da correta exegese dos éditos em vigor, torna a Corte desacreditada perante a opinião pública e acarreta uma situação de instabilidade ou insegurança para o cidadão comum e para as autoridades. O vai-e-vem em torno da sorte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ficou recolhido por um ano na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba e foi, afinal, agraciado com a chave da cela, instilou nos meios jurídicos, políticos e sociais a grande indagação: Lula é mesmo culpado ou inocente no rosário de acusações que lhe foram atribuídas? É pertinente o dilema porque o que se lê na mídia é que o ex-mandatário ganhou uma liberdade que a qualquer momento pode ser, de novo, suprimida, diante da pilha de processos contra ele que irão a julgamento.
Se é inocente – atestado que ele busca com ansiedade incontida – o que poderá ser feito para reparar a pena que ele pagou sem culpa provada? O que se nota, desde o início do julgamento de Lula, é que a Justiça não soube cuidar apropriadamente do caso, supostamente por receio de manter preso um líder que ainda é carismático, embora, no ato da detenção, afora a pantomima montada no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista pelos petistas e áulicos de Da Silva, não tenha havido uma comoção maior, como se especulava. As previsões catastróficas indicavam que a prisão de Lula poderia desencadear reações descontroladas, mas viu-se que este era mais um erro de cálculo cometido por juízes que nunca tiveram sensibilidade para traduzir a voz rouca das ruas. Houve reações normais, aceitáveis, dentro do processo democrático, em tom de irresignação por parte de lulopetistas e de facções da esquerda que tentaram tirar proveito do episódio para espicaçar a direita em plena fase de rearticulação com a ascensão de Jair Bolsonaro. No mais, Lula foi quem tirou partido da situação, atraindo personalidades internacionais para visitá-lo e fazendo da sala da PF em Curitiba um gabinete de trabalho, com audiências a ex-ministros, a deputados e senadores, a governadores, etc, etc. De dentro da prisão, Lula jogou para manter o seu bem mais precioso – o PT, e foi por isso que ele recusou alianças com Ciro Gomes, do PDT, e outros líderes cotados para ocupar espaços, como o Guilherme Boulos, que parecia em ascensão mas foi golpeado por Lula por controle remoto, da sala especial onde se manteve até agora. Lula queria, sobretudo, garantir no PT a sua vaga de candidato, que ele julga ser cativa.
Mas, voltando ao Supremo, cabe registrar que o colegiado deu uma volta olímpica para acabar parindo um rato. O STF jogou muito para a plateia, virou palco de acertos de contas acumulados entre juízes togados e desfez a jurisprudência que havia firmado em casos de condenação de réus, praticamente anulando a importância da segunda instância. Foi constrangedor acompanhar ministros que no passado recente votaram contra, saltarem para o voto a favor com agilidade felina. O Supremo, que já esteve no topo das instituições com maior credibilidade no Brasil, cavou a própria desimportância, passando recibo de impotência para sustentar juízos de valor. Ministros esmeravam-se em shows pirotécnico enquanto mandavam para as “cucuias” o princípio da linearidade de posições, o que garante a estabilidade em democracias como a dos Estados Unidos e preserva a Constituição, evitando que ela seja sempre retalhada para satisfazer a interesses de ocasião. No simbolismo da soltura, Lula atacou com vigor o Ministério Público, a Polícia Federal e a Receita Federal, tomando a precaução de se referir ao “lado podre” desses organismos. Mas Lula poupou o Supremo, onde desembocarão os processos a mais que o envolvem. O líder petista não é bobo, nunca foi bobo.
Não passou desapercebido para segmentos da opinião pública o ativismo judicial que passou a ser desempenhado na esfera do Supremo Tribunal Federal, com juízes vocalizando sentenças de acordo com suas consciências, não em conformidade com a Constituição. Há, sem dúvida, um cerco ao Supremo – na campanha eleitoral de 2018, Jair Bolsonaro defendeu o aumento do número de ministros da Corte de onze para vinte e um, tal como fez Hugo Chávez na Venezuela, a pretexto de colocar “dez isentos” no STF. O deputado e ex-quase-futuro embaixador Eduardo Bolsonaro, em tom jocoso e desafiador, declarou, também na campanha, que bastariam um cabo e um soldado para fechar a instituição. Não foi apenas mero arroubo; foi reação ostensiva, ameaçadora, à Corte. Mas justamente por estar vulnerável é que o Supremo precisa agir com equidade. Ao recorrer ao “samba do crioulo doido” na formulação de sentenças, a Corte transforma-se naquilo que um dos ministros denominou, a respeito do mensalão petista: “um ponto fora da curva”. Ainda há tempo para uma mudar “isso aí”?