Por Nonato Guedes
A soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seguida da campanha eleitoral antecipada que o petista deflagrou e que vai intensificar em manifestações públicas programadas para diferentes Capitais e cidades, são fatores que contribuem para “empurrar” o presidente Jair Bolsonaro para um roteiro mais presente na região Nordeste, onde travou luta desiquilibrada com o candidato Fernando Haddad, o “alter-ego” de Lula na disputa de 2018 ao Planalto. Embora a visita do presidente, ontem, a Campina Grande (Paraíba) para entregar um conjunto habitacional já estivesse marcada com certa antecedência, tendo enfrentado pelo menos três adiamentos, a impressão é de que ela foi acelerada depois que Lula ganhou alforria do Supremo Tribunal Federal e passou a se dirigir a militantes e eleitores em eventos que não disfarçam o formato de comícios fora de época, como as “micaretas” que ocorrem para celebrar o Carnaval em algumas regiões.
O próprio presidente Bolsonaro já se conscientizou de que a condescendência do Supremo para com Lula da Silva deve firmar jurisprudência em outros tribunais como o TSE, no sentido de não cercear a liberdade de expressão do ex-mandatário, embora possa haver provocação e, também, controvérsia, pelo viés político-eleitoreiro de que se reveste a pregação de Da Silva a auditórios que lhe são receptivos. Os petistas e lulistas poderão alegar que, se for assim, Bolsonaro também pode vir a ser inquinado de estar fazendo campanha antecipada, com discursos “doutrinadores” em inaugurações de obras e outras solenidades oficiais. A diferença é que o presidente goza dessa prerrogativa e não é encarado como fator em jogo nas eleições municipais do próximo ano, salvo pelo seu engajamento em algumas campanhas aonde marcará presença para reforçar a base que lhe apoia politicamente.
Com o governo vulnerável pelas suas próprias crises e por falta de comando do presidente Bolsonaro, Lula, na opinião dos seus aliados, está de “melé solto” para monopolizar com autoridade o discurso oposicionista, esvaziando as tentativas de Ciro Gomes e de expoentes mais à esquerda para ocupar espaços enquanto o “pajé” petista estava recolhido à Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Lula está no papel que tanto aprecia, o de “mito” e, também, de suposta “vítima” de uma conspiração para detonar sua liderança. O governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB, que já andava dando entrevistas no figurino de provável postulante das esquerdas à Presidência em 2022 recuou estrategicamente, após a soltura de Lula, e chegou a admitir que não terá a menor dificuldade em sufragar o ex-presidente, descartando a hipótese de vir a ser empecilho à unidade das oposições.
Não falta quem lembre que Da Silva não está imune a aborrecimentos ou constrangimentos, pois está solto mas permanece inelegível e será admoestado para responder a processos que o inquinam de acusações de irregularidades e caixa dois em campanhas eleitorais. Um desses processos pode vir a ser a casca de banana que os bolsonaristas desejam ver espalhada no caminho do ex-presidente, abrindo campo para o retorno dele à prisão. Os lulopetistas fanáticos contra-argumentam que prováveis novos depoimentos do “pajé” barbudo serão uma ocasião especialíssima para dar visibilidade aos sofismas do “pajé”, transformando-se em tribunas ou palanques para vitupérios de toda ordem, não necessariamente destrinchando a natureza dos processos, mas arrastando a polêmica para o viés político que desemboca na empreitada eleitoreira.
Bolsonaro tanto sabe que Lula, solto, é um perigo, que tenta executar uma ofensiva para neutralizar a liderança do petista no Nordeste. Ainda este mês, Da Silva abrirá no Recife, Pernambuco, o calendário de viagens pelo país, fazendo aquilo de que mais gosta que é espicaçar os que tem como algozes a exemplo do presidente Bolsonaro, do ministro Sérgio Moro e de algumas instituições, como o Ministério Público Federal. Todo um arco de pessoas e instituições será alvo da metralhadora giratória a ser acionada pelo ex-presidente da República. Suspeita-se, pelo tom de declarações já pronunciadas por Lula, que nem o Supremo Tribunal Federal escapará da catilinária da “jararaca” revoltada.
Em princípio, paira uma grande incógnita sobre o que pode acontecer no Brasil a curto prazo, não se descartando em algumas áreas o risco de convulsão social açulada por petistas inflamados que farão companhia a Lula da Silva na excursão pelos diversos Estados brasileiros, a exemplo do ex-todo-poderoso ministro José Dirceu, que já teve uma conversa prévia com Lula em Curitiba após a soltura dele para traçar estratégias de enfrentamento contra os que estão no poder. Apesar da perspectiva de cenários sombrios, será preciso avaliar a repercussão que a cantilena de Lula possa ter junto a segmentos formadores de opinião e decisivos em eleições. Por enquanto, tudo é especulação, o que não impede que o relógio avance em táticas de um confronto que não deve dar trégua ao próprio país.