Por Nonato Guedes
O petismo é só euforia com a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, avaliando que ele se constituirá no trunfo maior das eleições municipais do próximo ano para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. Embora a dimensão do pleito seja de âmbito local, para os petistas é uma oportunidade providencial com vistas a aferir a densidade ou o potencial com que conta a legenda, depois das tragédias em série que o PT acumulou – da condenação de mensaleiros ao impeachment de Dilma Rousseff e, finalmente, à prisão de Lula da Silva.
A prova dos noves que o PT busca com afinco exigirá mobilização constante, reatamento de canais com a militância e com segmentos da sociedade civil, de quem o partido se distanciou quando era Poder, ora com Da Silva, ora com Rousseff. Por assim dizer, a agremiação precisará passar por uma densa depuração de quadros, tornando mais seletivo o ingresso de filiados e procurando inserir-se no debate ideológico que tomou conta do país, estimulado pelo presidente Jair Bolsonaro e seus áulicos conservadores. É curial atestar que o petismo perdeu o prumo com os golpes consecutivos assinalados na sua trajetória e com o desgaste que a legenda adquiriu, por agir com incoerência em relação a valores éticos que pareciam fundamentais para distanciar o partido das legendas ditas tradicionais.
Os mais bem informados sabem que há muito jogo de cena nessa pregação do PT de defesa de valores éticos, como se a agremiação fosse “quimicamente pura”, narrativa desmentida pelo que se sucedeu nos últimos anos no Brasil e que levou à derrocada de um partido que foi saudado, no nascedouro, como sinal de esperança da moralização da vida pública e partidária. Só a título de exemplo das contradições que permeiam o histórico do PT, convém lembrar a frase da ex-presidente Dilma Rousseff de que tudo é válido para não perder eleições. A tradução mais massificada é o seu depoimento de que vale tudo para não encarar a derrota, o que nivelou o PT na faixa de outras agremiações que fazem concessões a perder de vista na esperança de ascender ao poder, objetivo nem sempre materializado.
Dilma, que não consegue articular raciocínios lineares e chegou a defender teses estapafúrdias como se fossem soluções milagrosas para o Brasil, foi infeliz nas avaliações feitas sobre a correlação de forças políticas no Brasil. D resto, ela nunca se debruçou sobre questões que servissem como parâmetro para distinguir o verdadeiro papel do Partido dos Trabalhadores no cenário brasileiro. A sua afirmação de que “a gente faz acordo até com o Diabo” foi uma das piores “pérolas” legadas pelo “dilmês”, uma espécie de vocabulário contendo aberrações de discursos e entrevistas da primeira mulher que ascendeu à suprema magistratura da Nação.
Embora as eleições municipais pareçam não ter influência maior no contexto futuro, é com elas que o PT terá de conviver no calendário do próximo ano. Desse ponto de vista, cabe lembrar que as disputas eleitorais não serão travadas exclusivamente nos “grotões”, mas, sim, em capitais de relevância do País, sejam situadas no Sul, Nordeste e Centro-Oeste. Esses centros urbanos médios e grandes poderão vir a ter uma utilidade fenomenal para oxigenar a representação política do Partido dos Trabalhadores e, até mesmo, favorecer a retomada do protagonismo que é buscado de forma incansável entre cabeças coroadas da agremiação, a partir do ex-presidente Lula da Silva. O PT disporá de palanques para fazer contraponto a Bolsonaro e aos candidatos de legendas a ele vinculadas. Isto garantirá visibilidade e poderá trazer de volta ao redil ovelhas que se desgastaram por decepção ou descrença com os ideais apregoados pela legenda do Lula.
Lula, em especial, terá que ter habilidade para dosar a linguagem, de modo a não espantar eleitores em caso de radicalização nos decibéis. Embora haja a compreensão de que, no figurino de “fera ferida”, Da Silva tenciona atirar para todos os lados, como já vem fazendo, a advertência que se faz é a de que a opinião pública brasileira não está disponível para enfrentamentos agressivos, para acertos de contas sobre episódios do passado recente. Em política, como, de resto, na vida, a ira é má conselheira. Não atrai eflúvios positivos e pode desencadear reações violentas de rua que apenas convulsionarão o processo eleitoral e democrático. Essa análise tem sido feita por petistas que estão de fora do círculo de Lula, mas se preocupam com a retomada de um sectarismo que em outros períodos demonizou o PT e fê-lo desperdiçar chances que teriam abreviado sua ascensão ao Poder. A questão é saber se Lula, no seu conhecido personalismo, se renderá às evidências e adotará um tom mais moderado ou se porá tudo a perder apostando na agressão gratuita a adversários políticos.