Nonato Guedes
Há muito mistério sobre qual o partido no qual o governador paraibano João Azevêdo ingressará, juntamente com um séquito de aliados – e esse mistério é atribuído à indefinição sobre o modelo que mais se adequa ao agrupamento que em grande parte irá migrar do Partido Socialista (sob o comando de Ricardo Coutinho) e a filiados de outras legendas que não se sentem confortáveis no metro quadrado em que atualmente habitam. Embora haja uma impressão muito forte de que partidos são iguais no Brasil, diferenciando-se apenas nos rótulos, sabe-se que há particularidades que distinguem uns dos outros. Não dá para comparar o PSB, por exemplo, com o PP, que na Paraíba tem como expoentes a senadora Daniella Ribeiro e o deputado federal Aguinaldo Ribeiro. O PSB defende, assumidamente, o ideário socialista; o PP tem ranços de conservadorismo político e o estigma da “barganha”, sem falar no alinhamento com o chamado “Centrão”, que para muita gente de esquerda não é flor que se cheire.
Uma legenda que venha a ser comandada pelo governador João Azevêdo precisará revestir-se da tônica da vanguarda política, até para se contrapor à localização do PSB de Ricardo no campo da centro-esquerda. O PSB que passará a ser controlado personalisticamente por Ricardo, sem o incômodo da presença de Azevêdo nas suas fileiras, não terá dificuldades, por exemplo, para se compor com o PT já nas eleições municipais do próximo ano em João Pessoa. O próprio Ricardo tem pavimentado o terreno em incursões junto ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estará tanto mais disponível, agora, por ter obtido alforria do Supremo Tribunal Federal para percorrer o país. Azevêdo tem até petistas ocupando funções na administração estadual, mas não tem com o PT propriamente dito o canal de interlocução que Coutinho exibe com clarividência.
Dá-se, ainda, que nos bastidores, valendo-se da sua habilidade, Ricardo maneja os cordéis para atrair para o PSB figuras com histórico de luta a favor da democracia e contra o arbítrio. Por artes dessa manobra estratégica, Coutinho estaria incentivando, de caso pensado, a debandada para a liderança de Azevêdo de forças políticas vinculadas a oligarquias familiares na Paraíba ou organizações identificadas pelo eleitorado com propostas conservadoras, em alguns casos atreladas ao ideário direitista que tem como figura exponencial o presidente Jair Bolsonaro, sempre pressuroso em dar verniz ideológico ao cenário para delimitar posições, na crença de que grande fatia do eleitorado deseja apostar no maniqueísmo doutrinário. Assim sendo, João correria o risco de ficar com o “rebotalho” de certas legendas, constituído por personagens que não se credenciam pela solidez de posições, muito menos pela coerência ideológica de esquerda.
É nesse território que Ricardo Coutinho, embora não o confesse, tenciona tornar vulnerável a estratégia do governador João Azevêdo de montar uma agremiação confiado na estrutura de poder que ele enfeixa mas que, como todos sabem, é efêmera. Até no discurso ideológico, Coutinho tem mais facilidade para doutrinar e convencer, temperado que foi, na sua trajetória, em assembleias estudantis, passando por eleições em diretórios acadêmicos e, posteriormente, pela inserção na vida partidária propriamente dita. Azevêdo não tem essa biografia. Embora se diga socialista e tenha sido discípulo fiel de Ricardo no âmbito do PSB, até eclodir o arranca-rabo que os distanciou, o governador não enfrentou ainda um grande teste que ponha em xeque suas concepções sobre o modelo político-ideológico ideal para o país e, por via de consequência, para o Estado. Este é, digamos, o calcanhar de Aquiles do governador. Em termos. Porque será preciso saber, lá na frente,qual a tendência pela qual se inclinará o eleitorado de agora em diante na conjuntura que eclipsou momentaneamente o PT e alçou o capitão reformado Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto.
Os adversários de Azevêdo, naturalmente ligados ao ex-governador Ricardo Coutinho, começam a atuar para desconstruir o partido no qual o governador possa ingressar, usando como argumento a alusão ao “poder da caneta”, que dá ao governante a faculdade de nomear e demitir, enquanto Ricardo – que já teve a caneta nas mãos – se testará sem o providencial suporte que pode amealhar adesões e converter indecisos no plano da política partidária. Não é o caso de subestimar o poder de fogo que o atual governador detém, no empenho para forjar uma nova alternativa política. Mas convém estar atento a diferenças de nuances, até mesmo a filigranas, para aferir com antecedência para que lado o peso dos votos vai migrar no primeiro embate entre os dois aliados de outrora – o pleito municipal de 2020.