Nonato Guedes
Os ex-senadores Cássio Cunha Lima e Cícero Lucena fizeram dobradinha informal em 1996 e 2000 na disputa pelas prefeituras de Campina Grande e João Pessoa. Concorreram pelo PSDB e foram para casa com a taça na mão, estreitando uma relação que Ronaldo, o pai de Cássio, mantinha com Cícero, a quem recrutou para seu vice na chapa vitoriosa ao governo estadual em 1990. Esta semana, Cássio reapareceu triunfalmente em Campina, ofuscando a própria presença do presidente Jair Bolsonaro, enquanto Lucena exibiu para quem quisesse ler o texto de sentença do TRF-5 inocentando-o de acusações de envolvimento na Operação Confraria há quinze anos. Ambos estão sem mandato – Cássio não logrou renovar o seu em 2018, Cícero não disputou mandato. Há mais coincidências: Cunha Lima e Lucena são especulados como candidatos às prefeituras das duas maiores cidades do Estado, mas negam pretensão de entrar no jogo no próximo ano como protagonistas de ponta.
Na verdade, a dobradinha informal dificilmente se repetirá nas urnas a curto prazo, salvo se fatores supervenientes, que, por óbvio, estão fora da lógica política, tiverem muita força para promover esse desideratum. Cássio, que foi bastante aplaudido na retomada do contato com o povo, tem dito que é honroso governar Campina, mas entende que o espaço cabe a outros líderes. Lucena diz que a sua absolvição não cria relação de causa e efeito com a disputa de mandato no ano vindouro, o que não o impede de participar de outra forma, pedindo votos, por exemplo, para candidatos com quem se sinta identificado. Em relação aos dois, ressalte-se que Cunha Lima coleciona um mandato a mais que Cícero como prefeito – ele administrou Campina Grande por três vezes. Sua primeira eleição foi em 1988, sucedendo ao pai, o poeta Ronaldo, que eleito em 1982 ganhou dois anos de prorrogação por força de alteração enxertada em lei.
Cássio não concluiu o terceiro mandato por ter se desincompatibilizado, em 2002, para concorrer ao governo do Estado, saindo vitorioso no embate com Roberto Paulino, do PMDB. Assumiu a titularidade a vice Cozete Barbosa, egressa do Partido dos Trabalhadores, que foi cooptada por Cunha Lima para a sua chapa, em aliança que teve as bênçãos do líder maior do PT no plano nacional, Luiz Inácio Lula da Silva. A gestão de Cozete não foi necessariamente pródiga – e, a exemplo de Luíza Erundina, a paraibana que se elegeu prefeita de São Paulo, ela enfrentou sabotagem de grupos do próprio PT que ambicionavam ter hegemonia no controle da administração campinense. Ironia da história, Cássio se converteria, mais tarde, num dos mais ferrenhos adversários do PT, tendo feito oposição radical às gestões Lula-Dilma quando senador da República pelo PSDB.
Tucanos de fina plumagem, naturalmente, sonham com candidaturas de Cícero e de Cássio em João Pessoa e em Campina Grande em 2020. Não se descarta que a pressão evolua a um ponto em que eles não tenham outra alternativa senão aceitar as convocações. Mas, de caso pensado, a hipótese não passa pelas cabeças de ambos. Cássio, por ter sido derrotado no ano passado, é quem mais somatiza os reflexos do revés. Tem suas razões para tanto. Afinal, todas as pesquisas iniciais que foram lançadas à praça apontavam sua candidatura disparada, o que criou a expectativa de que fosse uma das mais pacíficas reeleições da história política paraibana. Os búzios, no entanto, foram impiedosos com Cássio. Ele ficou praticamente no quarto lugar, atrás de nomes como Veneziano Vital do Rêgo, Daniella Ribeiro e até Luiz Couto, do PT, que foi impulsionado pelo então governador Ricardo Coutinho, que se obstinou em contribuir para cravar mais um revés na biografia do antigo aliado de 2010.
Cícero, pelo próprio perfil, aparenta mais resignação do que Cássio aos infortúnios da sorte. Enfrentou com estoicismo o moedor de carne da Operação Confraria, uma ópera que parecia interminável. Chegou a tentar retemperar energias fazendo a caminhada mística por Santiago de Compostella, mas levou tempo demais para ver sua imagem restaurada do ponto de vista ético e moral. Cunha Lima, após a cassação como governador em fevereiro de 2009, não deixou de desabafar que havia sido vítima do “maior erro” da história do Judiciário brasileiro. Em pouco tempo encontrou motivação para voltar à liça, e após temporada nos Estados Unidos, em auto-exílio, foi candidato a senador em 2010, protagonizando guinada espetacular ao se aliar a Ricardo Coutinho. Saiu das urnas com cerca de hum milhão de votos, o que pacificou seu espírito. Em 2014, anotou na biografia a pecha da derrota, deixando escapulir o governo que se manteve nas mãos de Ricardo. O revés ao Senado no ano passado deixou Cássio, inequivocamente, com a pulga atrás da orelha, daí a sua resistência em assumir projeto de candidatura à sucessão de Romero Rodrigues. Contra todas as evidências, essa é uma aposta que muitos ainda pagam para ver.