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Nos anos 70, li um conto curto de Kafka, “A partida”, onde um personagem pergunta: “Conheces, então, a tua meta?”. Sim (foi a resposta). Já disse. Sair daqui: esta é minha meta”. Na sua passagem pelo planeta, a jornalista Lena Guimarães teve suas metas atingidas. A mensagem do conto é bem bonita. A saída do status quo. A necessidade de simplesmente começar a mudança, sem pensar em planejamentos. A necessidade de ser ajudado no caminho, significando que não podemos atingir muitas metas sozinhos.
Fui com o jornalista Lenilson Guedes ao velório de Lena Guimarães. Já tinha prometido a mim mesmo não ir mais a velórios. Não fico bem nesses lugares, hoje, principalmente, que os celulares substituem o “cafezinho” e as conversas banais na companhia de muitos. Deixei meu celular no carro.
Palavras, sons, imagens vindos da estrada, o sol morrendo do outro lado da cidade e nós conversamos muito, eu e Lenilson. Ele, muito inteligente, celebrado jornalista que chegou ao topo, antes do tempo.
Lena não estava lá. A morte é outra viagem, que nos leva para casa, para onde Deus nos levar. Às vezes, pelo olhar, no tempo de cada um, nos perdemos um do outro.
Outras travessias entre a saudade que sentiremos dela, a sua presença, depois o esquecimento, a esperança de dias melhores, nossa pressa de emigrantes sertanejos navegando num mar de metas e cidades, até o espelho da nossa velha amizade, que ao longe traz a canção de Djavan: “Nossa velha amizade nasceu de uma luz que acendeu aos olhos de abril”.
Eu tive o prazer de ser amigo de Lena Guimarães, de ser ajudado por ela que me deu oportunidades na construção do meu nome. Do meu agradecimento ao jornalista Walter Galvão, que também me fez crescer como profissional. E a tantos outros.
Por isso, Lena era uma emigrante e quando menos esperávamos ela ressurgia, acenava, telefonava. Vida imaginada, feita de prazeres e desencontros, escutando uns e outros a falar sobre Lena: a pluralidade dela, a sua beleza, sua “brabeza”.
O certo é que Lena não existe mais. Cinzas. E vão chover votos de pesar, daqueles de quem ela nunca pensaria receber.
Lembro-me, então, de uma vez que ela chegou de franja no jornal Correio e eu disse: não ficou bem em você. No dia seguinte, ela comentou: “Diga-me sempre a verdade, você é meu amigo”.
É isso, a verdade sempre: primeiro morre a pessoa, depois o seu nome.
Ficou a cumplicidade na forma do nosso olhar, da escrita de seu texto e nada mais.