Nonato Guedes
Apesar da intensa pressão feita por partidos de oposição e da falta de articulação do governo Bolsonaro, a Proposta de Emenda à Constituição que permite prisão após condenação em segunda instância foi aprovada, ontem, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A CCJ analisou a constitucionalidade do texto, que agora vai a uma comissão especial, ainda a ser instalada, para debater o mérito. A proposta é de autoria do deputado federal Alex Manente, do Cidadania-SP, e foi aprovada por 50 votos a favor e 12 contrários, de um total de sessenta e dois deputados que votaram (a CCJ conta com 66 titulares).
Os deputados que apoiam a Operação Lava-Jato intensificaram os esforços para tentar aprovar mudanças na lei após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ter sido colocado em liberdade no último dia oito. A soltura se deu porque o Supremo Tribunal Federal, demolindo jurisprudência anterior, deliberou que condenados em segunda instância não podem começar a cumprir sias penas antes que se esgotem todos os recursos. Aparentemente o recuo do STF teve inspiração na prática da ampla defesa a réus nessa situação, mas o que se constatou, pelos pronunciamentos exaltados de ministros que mudaram de posição, foi que a Corte acabou recorrendo a um casuísmo, para beneficiar especificamente o ex-presidente Lula, ainda que a decisão tenha tido efeito cascata e se estendido a outros réus.
Convém observar que, a despeito do prosseguimento da discussão, que se estenderá até que se chegue ao desideratum, o ex-presidente Lula da Silva está solto mas continua inelegível nos termos da Lei da Ficha Limpa, consequentemente impedido de disputar eleições. O pleito mais próximo é o de prefeito municipal, daqui a um ano, e não consta que haja interesse do “pajé” petista, por exemplo, em concorrer à prefeitura de São Paulo, nem mesmo como estratégia para alavancar o partido que ele fundou e que está em processo de decomposição, sobretudo em virtude dos escândalos protagonizados por filiados ilustres, que tiveram como berço o tristemente famoso mensalão, que ceifou cabeças coroadas e até ministros da Era Lula. O sonho de Lula é um só: voltar ao Palácio do Planalto, à cadeira de Presidente da República, que ocupou em duas oportunidades e na qual deixou-se deslumbrar. Mas a Lei da Ficha Limpa é o grande empecilho a seus projetos grandiosos e personalistas.
Da Silva –só para avivar a memória dos incautos – foi condenado em três grais de esfera do Judiciário, sob a acusação de aceitar a propriedade de um tríplex, em Guarujá, como propina paga pela empreiteira OAS em troca de contrato com a Petrobras. A pena do ex-mandatário foi definida pelo Superior Tribunal de Justiça em oito anos, dez meses e vinte dias, mas o caso ainda tem recursos pendentes nessa instância e, posteriormente, deve ainda ser remetido para o Supremo Tribunal Federal. Ou seja, não obstante estar usufruindo de uma liberdade que já o levou a tomar banho de mar em Salvador, na Bahia, e a retirar da prateleira o estoque de incontinências verbais e expressões de baixo calão que dispara contra autoridades e os poderes da República, o “pajé” do ABC continua com a espada de Dâmocles apontada para sua cabeça, do ponto de vista da elegibilidade, crucial para ele.
Enquanto frações importantes do Judiciário mostram-se indulgentes para com Da Silva, depois de o tratarem como a um “cão danado”, congressistas que não rezam pela cartilha petista procuram sistematizar freios e contrapesos à oferta de indulgências que causam estranheza até mesmo junto a segmentos da sociedade brasileira. O deputado Lafayette de Andrade, do Republicanos-MG, ao explicar porque é favorável à decretação da prisão em segunda instância, observou que uma maneira eficaz de alcançá-la é justamente mexendo nos recursos extraordinários e especiais, que estão apresentados na emenda 199. No Senado, o presidente Davi Alcolumbre defende que seja feita alteração no Código de Processo Penal. “Qualquer solução vai judicializar, e vão ser mais um ou dois anos com a mesma polêmica. Então, é melhor uma solução definitiva, mesmo que possa atrasar uma, duas ou três semanas”, sugeriu Rodrigo Maia, presidente da Câmara. O que a sociedade espera é que haja uma solução equilibrada, sem concessão de privilégios a Lula ou a quem quer que seja.