Nonato Guedes
Oportuna e louvável – é como se pode definir a iniciativa de governadores do Nordeste, incluído o paraibano João Azevêdo, de encetar um périplo por países da Europa, como França e Itália, dentro da estratégia de apresentar as potencialidades desta região brasileira e, a partir daí, despertar o interesse de empresários para investirem aqui. A iniciativa tornou-se tanto mais fortalecida pelo fato de estarem os nove Estados nordestinos sob a égide de um Consórcio que possibilita a unidade e a divisão equitativa de empreendimentos que cogitem instalar-se no Brasil, ampliando o seu universo de atuação e explorando segmentos d’antes não considerados nas projeções de investimentos.
Espécie de porta-voz da comitiva e do Consórcio, o governador da Bahia, Rui Costa, evitou caracterizar a ofensiva dos gestores nordestinos como uma resposta ao governo do presidente Jair Bolsonaro, espécie de represália pelo tratamento pejorativo que este conferiu a eles, chamando-os de “governadores de paraíba” e recomendando, expressamente, a ministros seus, que não fossem condescendentes com reivindicações porventura formuladas ou encaminhadas a Brasília. O gestor da Bahia preferiu situar o périplo pela Europa em outro contexto – o da escassez de recursos federais para os Estados brasileiros indistintamente, sejam do Nordeste, do Norte ou do Sul e Centro-Oeste, o que obriga essas unidades-satélites da Federação a gastarem fosfato, apelando para a criatividade como recurso destinado a driblar a crise ou a carência.
Antes do embarque da comitiva de governadores nordestinos, eles já haviam comemorado uma vitória pontual obtida nos termos estritos do estatuto do Consórcio Nordeste, que se traduziu na redução de custos de uma operação centrada na aquisição de medicamentos essenciais para atender a comunidades desassistidas e empobrecidas dos Estados do outrora Polígono das Secas. Isoladamente, o custo da compra dos remédios tornar-se-ia onerosa demais para os maltratados cofres estaduais e possivelmente nem se materializasse, justamente devido a esses óbices de monta. Mas, arredondada a operação para a ação conjunta, tudo se tornou mais fácil e foi substancial a redução dos gastos, vindo a termo, finalmente, a solução concebida.
O Nordeste, inegavelmente, ofereceu ao país como um todo um belo exemplo com a criação do Consórcio que unifica pleitos dos Estados afins. Até então, o que prevalecia na conjuntura nacional era a concorrência desenfreada entre os Estados, às vezes por míseros quinhões que poderiam ser arrematados em operações específicas. Não é segredo para ninguém a cantilena que se disseminou por bastante tempo, no país, a respeito da escalada da “guerra fiscal” entre Estados, uma espécie de competição selvagem tendo por escopo a sobrevivência ou, senão isso propriamente, a expansão do potencial de desenvolvimento dos Estados. Foi em meio a essa selvageria que se institucionalizou a concessão graciosa de incentivos fiscais, a um preço muito elevado para a capacidade-limite das unidades federadas. E o que se verificou foi que a compensação materializada não se deu, nem de longe, na proporção esperada. Por assim dizer, todos saíram perdendo e o Brasil perdeu como um todo, inclusive, quanto ao desperdício de oportunidades para alavancar projetos mais consistentes e rentáveis.
Um outro exemplo de divisionismo federativo no Brasil está na polêmica em torno da partilha dos royalties do petróleo extraídos da camada do pré-sal, uma das grandes descobertas para a história do crescimento econômico do Brasil nos últimos anos. A guerra, nesse caso restrito, deu-se entre Estados produtores e não-produtores – com os primeiros exigindo royalties extremamente generosos, à custa de dividendo zero ou quase isso para os segundos. O Rio de Janeiro, com suas bacias petrolíferas de visibilidade internacional, jogou pesado para concentrar a maior fatia do bolo dos royalties, que seria canalizada para planos de própria recuperação econômica do Estado, com o fito de cobrir rombos históricos, em detrimento – digamos assim, da Paraíba, que teria que se cozinhar com suas próprias banhas para sobreviver.
Criou-se, inevitavelmente, um processo de autofagia que, no frigir dos ovos, anulava praticamente o conceito de Federação. A lei que passou a vigorar foi a do “cada um por si”, numa desigualdade flagrante, como soi acontecer em choques dessa estirpe. No meio do fogo cruzado, a União, historicamente centralizadora, lavou as mãos, assistindo de longe ao entredevoramento de Estados enquanto se fartava do próprio e grandioso quinhão. Criou-se um saco sem fundo – e não havia, a partir do Congresso, quem tivesse alguma ideia luminosa, quem pusesse o ovo de Colombo. Eis que o aperto e a incerteza forneceram luzes e contribuíram para retirar os Estados do comodismo em que se encontravam. O Consórcio Nordeste é a mais auspiciosa notícia que se tem nestes tempos de obscurantismo e de incerteza no Brasil, podem acreditar. A competição pode continuar a haver, mas não nos moldes fratricidas em que estava sedimentada no país.