Nonato Guedes
Por ocasião do sétimo congresso nacional que o Partido dos Trabalhadores programou para São Paulo a grande novidade tem sido a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, usufruindo as benesses do alvará de soltura que o Supremo Tribunal Federal lhe concedeu. E uma novidade, em termos relativos, da parte de Lula, foi a sua confissão de que prefere Marta Suplicy à paraibana Luíza Erundina para novamente governar a capital paulista. É relativa a novidade porque, quem conhece os bastidores da história do PT, sabe que a paraibana de Uiraúna, “a mulher que veio com a chuva” no dizer do jornalista José Nêumanne Pinto, nunca foi absorvida pelo “pajé” petista e pelos seus camaradas de cúpula. A razão? Erundina era independente demais para o paladar de Lula, refratária a imposições e arranjos para beneficiar uma certa corja petista que gravitava à sombra da sua administração na década de 90. Marta, também conhecida como “Martaxa”, pela adoração à cobrança de impostos que cultivou, foi mais dócil, mais flexível, mais “companheira”, no atendimento aos caprichos de mando de Lula e seus paus-mandados.
Diga-se, a propósito, que nem Marta Suplicy nem Luíza Erundina estiveram próximas do PT nas últimas décadas. Deputada federal por São Paulo, a paraibana preferiu alojar-se no PSOL, talvez intuindo a marmelada que estava para eclodir nas hostes petistas, cujo símbolo grandioso e inicial foi o mensalão, sequenciado pelo petrolão – ambos, esquemas de deslavada corrupção aprimorados por uma agremiação que deu as costas à sociedade após rasgar sua carta de princípios éticos. Marta caiu em desgraça quando se declarou favorável ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, aquela das ‘pedaladas fiscais’ que o Tribunal de Contas da União detectou com lupa. Em termos partidários, “Martaxa” registrou uma passagem pelo MDB, sem que lograsse criar raízes ou afinidades com essa legenda, até que optou por ficar sem partido. Hoje é cortejada pelo petismo, por ordem expressa do “pajé” Lula. Alguém imagina a causa dessa recaída pela Sra. Suplicy?
Luíza Erundina é uma mulher digna, que ainda há pouco tempo deu lições a políticos carcomidos na Câmara quando confrontou abertamente a suposta autoridade do então presidente do Poder, Eduardo Cunha (RJ), que ainda cumpre pena de prisão após ter sido um dos primeiros alcançados no rastro da Operação Lava-Jato, que também pôs atrás das grades o Zé Dirceu, o Palocci…e o Lula, vejam só! Quando prefeita de São Paulo, a paraibana de Uiraúna resistiu bravamente ao assédio estimulado pelo “pajé” Luiz Inácio com vistas a favorecer empreiteiras e empresas de ônibus com reajuste de tarifas que penalizaria diretamente as camadas menos favorecidas que o petismo jura defender, da boca pra fora. Dura na queda, Erundina não cedeu, e passou a ser mal vista dentro do Partido dos Trabalhadores. Como represália, vereadores petistas e outras lideranças atuaram no sentido de sabotar as metas cardeais da gestão de Erundina, de tal sorte que ela amargou desgaste certamente irreversível quanto a pretensões de voltar ao executivo municipal em São Paulo.
O que a cúpula petista tencionava, sob as ordens rigorosas do “pajé” todo poderoso, era “enquadrar” Luíza Erundina aos interesses subalternos e inconfessáveis de militantes petistas coroados. Era um tempo em que começava a se disseminar nas hostes lulopetistas a vantagem da “maracutaia”, sinônimo que o “lulês” inventou para definir a velha mamata, a familiaríssima propina, tão condenada em outros partidos mas vertida como “dinheiro não contabilizado” no dicionário do partido do Lula, com o beneplácito do próprio “pajé”, em si mesmo ávido por acumular riqueza, pouco importando se por meios ilícitos e antiéticos. Erundina manteve-se coerente com a sua autenticidade e a sua honorabilidade, deixando de constar do figurino que o PT incorporou como preço a pagar pela chegada ao “pudê”.
A liberdade temporária de que está usufruindo o “pajé” Luiz Inácio Lula da Silva vem dimensionando a verdadeira personalidade daquele que se apresentava como o mito legítimo, dono de uma biografia talhada para arrancar lágrimas de incautos ao fantasiar uma trajetória do torneiro mecânico que é alçado à presidência da República por supostos méritos, omitindo-se todo o cipoal de espertezas por trás da tal biografia. Lula é o grande malando político, proprietário de uma perícia temerária em certas artes pouco edificantes e definitivamente antiéticas. O “pajé” é do tipo que, para se dar bem, faz mesmo acordo com o Diabo, pouco importa que seja o Diabo…