Nonato Guedes
O ex-governador Tarcísio Burity, que se fosse vivo completaria 81 anos de idade depois de amanhã, destacou-se por atitudes polêmicas nas duas vezes em que ocupou o Palácio da Redenção (na primeira, por via indireta, a partir de 1979, e na segunda, pelo voto popular, a partir de 1987). Uma dessas atitudes foi a de decretar “intervenção branca” na prefeitura de João Pessoa, na gestão do prefeito Carneiro Arnaud (PMDB), eleito em 1985 numa coligação com o esquema do ex-governador Wilson Braga, tendo como vice Cabral Batista, já falecido. Carneiro enfrentou impasse decorrente da ameaça de paralisação dos transportes coletivos, cujos empresários-proprietários reivindicavam reajuste de tarifas. A medida era impopular e Carneiro estava prestes a ceder ao pleito, a pretexto de não deixar a Capital sem ônibus. Foi quando Burity, surpreendendo a todos, criou uma empresa estatal de transporte coletivo, Setusa, a ela incorporando frota adquirida junto à iniciativa privada, e assegurou a normalidade de circulação dos ônibus. A empresa criada por Burity não sobreviveu ao final da sua segunda gestão e provocou críticas de adversários políticos e queixas do próprio Carneiro, que achava viável uma solução do impasse através do diálogo.
Nascido na Capital paraibana, Tarcísio Burity, que faleceu em São Paulo, em julho de 2003, tinha atenção especial por João Pessoa, tanto que no primeiro governo, quando o prefeito era Damásio Franca, promoveu ações autônomas, sem qualquer parceria com a municipalidade, para resolver problemas emergenciais. Afirmava-se, nas rodas políticas, que Burity se considerava uma espécie de “governador-prefeito”, do Estado e da Capital. Mas, além de governador por duas vezes, ele exerceu apenas um outro mandato eletivo – o de deputado federal, tendo sido eleito com votação expressiva em 1982. Foi secretário de Educação no governo de Ivan Bichara Sobreira, perto do final da década de 70, e disputou a indicação indireta ao Palácio em convenção da antiga Arena (depois PDS), derrotando o deputado federal Antônio Mariz, que se apresentara como dissidente do regime militar.
Quando foi ungido governador pela primeira vez, a imprensa nacional tratou-o como “neófito” e “obscuro”. Nos meios políticos, dizia-se que o grande “eleitor” de Burity no colégio indireto havia sido o ex-ministro José Américo de Almeida, agastado com o confronto que se desenhava entre Mariz e o senador Milton Cabral. A administração exitosa que Burity colocou em prática no primeiro mandato possibilitou-lhe construir obras futuristas como o Espaço Cultural e o Mercado de Artesanato, em João Pessoa, bem como o bairro de Intermares, que se mantém como distrito de Cabedelo, na região metropolitana da Capital. Também concedeu reajustes elevados a servidores públicos e bancou com recursos do próprio Estado o programa de assistência a flagelados da seca em municípios do interior, além de ter investido maciçamente em todos os setores fundamentais do Estado, criando, na Segurança Pública, a Operação Manzuá, que serviu de modelo a outros Estados do país.
Embora tenha entrado na vida pública pela via indireta (os governadores nomeados, na época, eram chamados de “biônicos” pela imprensa), Burity ganhou espaços na mídia com um discurso contestatório, pregando, por exemplo, a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte e a realização de eleições diretas para presidente da República, um tema que era tabu junto aos círculos militares que se revezavam no poder. Quando foi candidato ao governo em 86, Burity já estava filiado ao PMDB e foi sacramentado na undécima hora, com a desistência do senador Humberto Lucena, então internado em São Paulo. Derrotou Marcondes Gadelha, do PFL-PDS, por quase 300 mil votos de maioria. O segundo mandato foi tumultuado e pontuado por incidentes políticos – Burity criticou o PMDB por obstruir empréstimos externos e empréstimos contraídos junto à Caixa Econômica Federal. Acabou se desfiliando do partido e foi o primeiro governador do país a declarar apoio à candidatura de Fernando Collor de Mello (PRN). No governo de Collor, Burity ganhou um presente de grego: a decretação extra-judicial da liquidação do Paraiban, o banco de fomento do Estado da Paraíba, que somente foi reaberto no governo de Ronaldo Cunha Lima. Na Assembleia Legislativa, Burity negou-se a jurar a nova Constituição, alegando que ela retirava poderes inerentes ao Executivo, e ficou em minoria na Casa. Rompeu abertamente com o senador Humberto Lucena e outras lideranças, mas como havia assumido em 87 sem vice (o seu companheiro de chapa, Raymundo Asfora, foi encontrado morto dias antes da posse na granja Uirapuru em Campina Grande, em meio a versões de suicídio e assassinato), Burity acabou ficando no governo até o último dia no segundo mandato, tendo apoiado a candidatura de João Agripino Neto, que no segundo turno apoiou Ronaldo Cunha Lima contra Wilson Braga. Burity, já fora do governo, sofreu um atentado, quando o então governador Ronaldo Cunha Lima disparou tiros contra ele no restaurante “Gulliver”, na orla marítima de João Pessoa, acusando-o de ataques à família Cunha Lima, especialmente ao então deputado federal Cássio Cunha Lima, que depois foi, também, governador. Os analistas políticos não tiveram dúvidas em apontar Burity como um fenômeno e o ex-ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, definiu-o como “um político não convencional”. De concreto, Burity reinou soberano durante uma década no cenário político do Estado da Paraíba.