Nonato Guedes
Era junho de 1989 quando o senador paraibano Humberto Lucena, de saudosa memória, fez pronunciamento no plenário do Congresso para deblaterar contra o preço pago por homens públicos atuantes (no seu caso, à frente do MDB, fora líder da oposição à ditadura militar instaurada em 1964, num período em que muitos se omitiam ou decidiam compor-se com o poder de plantão). E essa postura intimorata de Humberto, aliada a outros méritos que pontuaram a sua trajetória parlamentar, foram olvidadas quando veio à tona uma orquestração para desconstruir a imagem do senador, talvez por ser paraibano e por ter presidido o Congresso por duas vezes.
Primeiro inquinou-se Humberto por ter utilizado a Gráfica do Senado para mandar imprimir Cartões de Feliz Natal e de Boas Festas, enviados a correligionários e eleitores da Paraíba, como retribuição pela confiança nele depositada e refletida em mandatos consecutivos. O Tribunal Superior Eleitoral, provocado por adversários políticos de Humberto na Paraíba, cassou o mandato do parlamentar, num dos mais violentos atos já cometidos pelo Judiciário na história brasileira. Em socorro de Humberto, num discurso antológico, Antônio Mariz, também paraibano e corajoso, fez protesto veemente alertando que o juízo do TSE significava o “retrato decadente” da moral e da ética de Cortes de Justiça no Brasil. A medida esdrúxula adotada contra Lucena acabou sendo revogada mediante anistia outorgada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso ao parlamentar da Paraíba, anulando-se os efeitos da sentença arbitrária e incongruente.
Posteriormente, atribuiu-se a Humberto a pecha de “nepotista” ou “empreguista” (houve um colunista do Sul do País que qualificou Lucena como a “caneta mais rápida da República”, insinuando que ele tinha sido pródigo em obter a nomeação de parentes para cargos na Nova República). Reagia Humberto: “Parece que o fato de um senador nordestino e paraibano ascender à condição de terceiro homem da República, na hierarquia de nossa vida política-administrativa, não agradou a muita gente, sobretudo a algumas pessoas que são inimigas empedernidas do sucesso dos outros”. Humberto lembrou que quando presidente do Senado, no biênio 1987/1988, sua primeira iniciativa foi justamente incluir no regulamento administrativo uma norma que instituiu, definitivamente, no Senado, o concurso público de provas e títulos, como a única forma de admitir o pessoal regido pela CLT, no Senado, Cegraf ou Prodasen. Nessa época, a Constituição vigente só exigia concurso público para o servidor estatutário. E Humberto não nomeou, durante a sua gestão, um só servidor, a não ser para exercer cargo em comissão ou função de confiança, sobretudo os titulares de diretorias, secretarias e subsecretarias da Casa.
Conforme Humberto, as únicas nomeações de familiares que patrocinou no Senado foram as de um filho e de uma sobrinha para funções de gabinete no seu gabinete de apoio como secretários parlamentares enquanto durasse o seu mandato de senador. Uma filha dele era secretária parlamentar do senador Saldanha Derzi, a seu convite, até 15 de março de 1990 quando se extinguiria o gabinete do líder do governo no Senado. A mídia, sem apuração criteriosa, espalhou que Lucena teria nomeado nove parentes para o Senado, eximindo-se de aprofundar esclarecimentos a respeito e inclusive sonegando espaço para a legítima defesa do parlamentar. Humberto atribuía tudo à maledicência e injustiça, “principalmente quando elegi a probidade como um dever permanente, no dia-a-dia da minha vida pública”. E fechava assim: “Mas tudo isso é fruto de antipatias e até de inimizades gratuitas”.
Para justificar que era um homem de bem a toda prova, Humberto informava que nunca se envolveu direta ou indiretamente em qualquer ato de corrupção ativa ou passiva na área federal, estadual ou municipal, ao longo de várias décadas de vida parlamentar, “durante as quais só fiz empobrecer, conforme as minhas declarações anuais de Imposto de Renda”. Para Lucena, a integridade que buscava manter na vida pública intrigava aos seus detratores gratuitos, que não podiam exibir o mesmo currículo nem podiam deixar para mulher, filhos e netos a herança da honestidade pessoal.
Humberto Lucena morreu pobre e sem ter realizado o seu sonho maior – ter sido governador do Estado onde nasceu e construiu militância. Salvo as exceções conhecidas, quantos, na conjuntura de hoje, podem exibir o portfólio que Humberto Lucena tinha na vida pública nacional?