Nonato Guedes
São Paulo será palco, segunda-feira, de um grande ato público denominado “Em Frente pela Democracia – Defendendo Liberdades e o Estado de Direito”, congregando representantes de movimentos da esquerda à direita e mobilizando as mais diversas esferas da sociedade, como revela o site “Congresso em Foco”. Nas palavras de Ricardo Borges Martins, coordenador executivo do Pacto pela Democracia, “o atual cenário político é certamente um dos mais desafiadores e conturbados da recente história democrática do país. Entretanto, temos percebido que parcelas significativas da sociedade seguem engajadas na defesa dos valores da democracia e é isto que precisa ser enfatizado”. Não era sem tempo tal iniciativa.
Nunca como agora estamos na alça de mira de radicais da direita e da esquerda que dão a impressão de não terem compromisso concreto com a democracia. O governo do presidente Jair Bolsonaro é, disparado, o campeão em terrorismo retórico para desqualificar a democracia. Filhos do presidente, com o aval do pai, acenam com o retorno de instrumentos autoritários como o AI-5, sem terem a menor consciência do que aquele édito estúpido significou de retrocesso para a sociedade brasileira como um todo. Fazem tal pregação para neutralizar orquestrações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seguidores fazendo a apologia da convulsão social, desqualificando autoridades e instituições, pregando ostensivamente o anarquismo. “Não se assustem se alguém pedir o AI-5”, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, um burocrata que deveria estar cuidando da defesa do Brasil perante a alta do dólar. As coisas estão fora de lugar na realidade vigente, e, se quiserem, podem arrolar o Supremo Tribunal entre protagonistas da marcha da insensatez que parece irreversível e…assustadora. O Supremo não está sabendo se comportar à altura da gravidade do momento histórico.
O Pacto pela Democracia busca unir forças com diferentes representantes da sociedade, como cidadãos, organizações e atores políticos, tendo como objetivo central resgatar e aprofundar práticas e valores democráticos. No leque dos expoentes do evento de segunda-feira constam o cacique Raoni Metuktire, o jornalista Juca Kfouri, economista Joel Pinheiro, Manoela Miklos, do Agora éQue São Elas, Monica Sodré, diretora-executiva da RAPS, além de representantes de organizações como União Nacional dos Estudantes, Ordem dos Advogados do Brasil, Movimento Livres, Movimento Negro Unificado, Transparência Brasil, etc. A defesa da democracia constitui a grande pauta que, de forma mínima, pode reaglutinar a sociedade.
A questão de fundo que precisa ser levada em conta é que estamos caminhando perigosamente para um estado autoritário, do qual nos livramos em 1985 quando deu à luz a Nova República, com todas as contradições possíveis, absorvidas, entretanto, no contexto do marco democrático regulatório. Há posturas agressivas que convidam quase diariamente ao enfrentamento nas ruas, e o governo, que deveria dar exemplos positivos, colabora para a instabilidade ao apostar fichas no “quanto pior”, que, como se sabe, é pior mesmo. Ainda agora, o Tribunal Penal Internacional, um órgão criado em 2002 com o apoio do próprio Ministério das Relações Exteriores brasileiro, denunciou o presidente Bolsonaro por “promover o genocídio dos povos indígenas”.
O cenário desolador que contamina o Brasil destes tempos me faz lembrar a pregação cívica do doutor Ulysses Guimarães, em tom didático, acerca de certos princípios “inegociáveis”. Ele dizia, por exemplo, que a desordem política – e não há pior nem maior do que a carente de democracia – contamina de desordem a ordem econômica. E citava Otávio Mangabeira, que lançado do fundo do cárcere, rutilava esperança na profecia: “Ninguém pode tudo. Sobretudo, ninguém pode sempre”. Para o doutor Ulysses, o Brasil não podia continuar entre parênteses, com instrumentos excepcionais estranhos à sua história, à sua geografia, à índole de sua gente e ao sacrifício de seus libertadores.
E pontuava Ulysses Guimarães, sem que fosse preciso dizer mais nada: “Ouçamos a voz purificadora de um dos heróis americanos, José Martí: “Liberdade é o direito que todo homem tem de ser honrado, pensar e falar sem hipocrisia. Há homens que vivem contentes, mesmo que vivam sem decoro. Há outros que sofrem como em agonia quando vêem que há homens que a seu redor vivem sem decoro. No mundo deve haver certa quantidade de decoro, como deve haver certa quantidade de luz. Quando há muitos homens sem decoro, há sempre outros que têm em si o decoro de muitos homens”. Lutemos pela Liberdade, pois sim! Democracia é o reino do contraditório, da liberdade, em suma.