Nonato Guedes
O Prêmio “Pagu”, conferido à deputada estadual paraibana Cida Ramos (PSB), reverencia Patrícia Rehder Galvão, nascida em São João da Boa Vista, São Paulo, que ficou famosa como ativista social, jornalista, escritora, desenhista e agitadora política de esquerda. No livro “Lute Como Uma Garota – 60 Feministas que Mudaram o Mundo”, de Laura Barcella e Fernanda Lopes, com prefácio de Mary Del Priore, consta a observação de que não seria errôneo dizer que foi uma exploradora dos limites que a sociedade dava às mulheres e à política, na primeira metade do século XX. Tanto que desafiou todos os possíveis: casou-se mais de uma vez, foi presa por questões políticas mais de uma vez e em mais de um país e sempre lutou pelo que acreditava.
“Pagu” engajou-se desde muito jovem nos movimentos artísticos e culturais em ebulição no Brasil, na segunda metade dos anos 1920, e em consequência, envolveu-se nos movimentos sociais também. Travou batalhas por mais direitos, respeito e justiça, e em várias ocasiões colocou a própria vida em risco para defender os valores e as pessoas que lhe eram caros. Poupar esforços e fazer só o que era possível eram conceitos que não existiam no mundo de “Pagu”. Ela se entregava por inteiro a tudo o que fazia. Aos 15 anos, Patrícia Rehder Galvão já escrevia para o jornal do bairro em São João da Boa Vista e era considerada ousada em comparação à maioria das mulheres: fumava em lugares públicos, usava roupas com transparências, falava palavrões e tinha os cabelos mais curtos do que o costume, além de utilizar maquiagem carregada para os padrões da época.
O engajamento com a política e a cultura começou aos 18 anos, no movimento modernista. Patrícia se envolveu também com o movimento antropofágico: fazia ilustrações para a Revista da Antropofagia, veiculada em uma página do “Diário de São Paulo”. O apelido Pagu surgiu de um erro de um colega modernista, Raul Bopp. Ele achava que o nome dela era Patrícia Goulart e tentou fazer uma brincadeira com as primeiras sílabas do seu nome e sobrenome em um poema chamado “Coco de Pagu”. No convívio com os modernistas, apaixonou-se por Oswald de Andrade e o teve como companheiro durante muitos anos. Do relacionamento, ela engravidou de Rudá. Pagu e Oswald faziam parte do Partido Comunista do Brasil, mas não tinham boa reputação por lá. Ela chegou a ser acusada de agitadora e sensacionalista pelo próprio partido. Em 1931, foi presa por participar de um protesto do PCB contra a execução de anarquistas italianos nos Estados Unidos. Foi a primeira mulher a se tornar presa política no Brasil.
Narram as autoras de “Lute Como Uma Garota”, que, fora da prisão, Pagu voltou à atividade intelectual. Em 1933, publicou seu primeiro livro, o romance “Parque Industrial”. Sob o pseudônimo de Mara Lobo, escreveu sobre a alta sociedade paulistana, a situação precária em que vivia o proletariado e a condição da mulher fora de casa. Excusado dizer que a obra causou polêmica. Além de escritora, ativista, desenhista e intelectual, Pagu trabalhou como jornalista. Fez uma viagem de volta ao mundo e enviou diversas reportagens como correspondente para jornais do Rio de Janeiro e São Paulo. Conseguiu entrevistar até Sigmund Freud em um navio na China. Mas, durante a viagem, Pagu também foi presa em Paris como comunista estrangeira, com identidade falsa, só conseguindo ser solta graças à ajuda de um embaixador brasileiro. Teve de voltar ao Brasil onde se separou de Oswald e foi presa novamente. Dessa vez, em 1935, ficou quatro anos e meio na cadeia e foi torturada pelo governo de Getúlio Vargas. Só foi solta em 1940 e deixou de fazer parte do PCB. Voltou a publicar um livro em 1945, chamado A Famosa Revista, em parceria com o escritor e jornalista Geraldo Ferraz, com quem se casou e teve mais um filho, também chamado Geraldo, nascido em 1941.
Pagu foi morar com a família em Santos e lá sua presença foi fundamental para estimular grupos de estudantes e de atores amadores. Na política, decidiu ir fundo mais uma vez e se candidatou a deputada estadual pelo Partido Socialista Brasileiro em 1950. Não foi eleita, no entanto. Com a estreia da televisão no Brasil, mais uma oportunidade de trabalho surgiu para Pagu: ela foi pioneira na redação de críticas sobre TV para o jornal A Tribuna, de Santos. Sua vida, tão dinâmica e irrequieta, chegou ao fim em 1962 em decorrência de um câncer. Ao longo de todos os anos, sempre negou a remota possibilidade de ter uma rotina tranquila, preferindo usar suas forças para lutar contra o sistema opressor e antiquado do Brasil e do mundo. Laura Barcella e Fernanda Lopes concluem afirmando: “Os que a chamavam de agitadora só erraram no tom pejorativo que deram á palavra. Pagu agitou, sim, sua vida e todos os ambientes aos quais decidiu se dedicar. Em qualquer atividade que fosse, sempre foi uma revolucionária”.