Nonato Guedes
O governador João Azevêdo oficializou, hoje, a sua desfiliação dos quadros do Partido Socialista Brasileiro, pelo qual foi eleito em primeiro turno nas eleições de 2018. Em carta divulgada ao povo paraibano, o gestor afirma que chegou a aguardar o restabelecimento do diálogo no PSB mas, diante da falta de qualquer atitude de autocrítica depois da intervenção no diretório estadual, resolveu sair da legenda “em busca da democracia perdida”. Ele também agradeceu a todos os militantes, dirigentes e colaboradores que confiaram nas propostas do governo e que têm hipotecado irrestrita solidariedade “nesse momento tão delicado”.
O governador enfatizou à certa altura do documento: “A democracia que defendemos não deve ser um conceito vago, um ser abstrato, que se usa quando convém, para embasar as próprias teses e dar ganho de causa a argumentos e procedimentos. Democracia é uma palavra viva, que precisa estar presente no nosso dia a dia. E eu procuro praticá-la nas minhas atividades, no cotidiano, com minha equipe, com amigos, companheiros e companheiras, na relação com a comunidade, com as instituições e os movimentos sociais. Uma prática que adoto em família, compartilhando com minha esposa e estendendo esse conceito a filhos e netos, como um legado de vida”, conceituou. A atitude do governador deu-se em meio à repercussão de declarações do ex-governador Ricardo Coutinho, em entrevista, ontem à noite, na TV Master, em que tripudiou da liderança de Azevêdo e chegou a afirmar que, sem o seu apoio dele, o governador não se elegeria sequer vereador.
Na íntegra, a missiva do governador:
“Ao povo paraibano!
Tenho exercido os limites da paciência para não incorrer nas falhas que a pressa leva sempre a cometermos. Mas, como humanos, todos temos nossos limites. E o meu chegou com o PSB, partido ao qual sou filiado e me elegi governador em 2018. Desde a dissolução do diretório estadual em agosto deste ano, sucedido por uma intervenção nacional, ou simplesmente golpe aplicado, segundo companheiros de partido e a imprensa local, que o incômodo com a situação só se agravava e exigia, mais cedo ou mais tarde, uma tomada de decisão. E ela chegou. Saio do PSB em busca da democracia perdida.
Muitos achavam que essa decisão deveria ter sido imediata ao ato de força que culminou com a dissolução do diretório eleito em congresso, sem a menor justificativa. Ou quando foi nomeada uma Comissão interventora pela direção nacional da legenda em que colocaram meu nome junto com o do senador Veneziano Vital e outros dois companheiros, sem consulta alguma, nessa tal Comissão Interventora. Não a tomei em nenhum desses momentos, embora justificativas não faltassem, justamente para que os ânimos pudessem ser serenados, o diálogo restabelecido e a ordem verdadeiramente democrática voltasse a predominar no PSB paraibano.
O que se viu, no entanto, foi a falta de qualquer gesto ou atitude de autocrítica pelo terrível erro cometido com a bonita história de nosso partido na Paraíba. Nos nivelamos a legendas autocráticas, de ocasião, sem zelo pelos mandatos eletivos em andamento. E pensar que o partido acaba de realizar evento nacional para promover uma Autorreforma. Sem democracia interna não existem sequer reformas, imaginem autorreforma. A democracia que defendemos não deve ser um conceito abstrato, que se usa quando convém, para embasar as próprias teses dar ganho de causa a argumentos e procedimentos. Democracia é uma palavra viva que precisa estar presente no nosso dia a dia. E eu procuro praticá-la, nas minhas atividades, no cotidiano, com minha equipe, com amigos, com companheiros e companheiras, na relação com a comunidade, com as instituições e os movimentos sociais. Uma prática que adoto em família, compartilhando com minha esposa e estendendo esse conceito a filhos e netos como um legado de vida. Mágoas e rancores não cabem em meu coração. Apenas lamentações. A primeira, por ter que deixar o partido pelo qual fui eleito. Sem antes deixar de agradecer a todos os militantes, dirigentes e colaboradores que confiaram nas nossas propostas e têm hipotecado solidariedade irrestrita nesse momento tão delicado. A segunda e última lamentação eu não poderia deixar d registrar, porque essa dói profundamente e não vou guardar apenas comigo, pois isso faz mal à alma. Ironicamente, as maiores críticas ao governo nesses 11 meses não vieram da oposição, dos partidos políticos, dos sindicatos e associações de classe, dos deputados na Assembleia, da imprensa, dos artistas e intelectuais, das universidades e da sociedade em geral, que têm toda legitimidade para contestar e apontar os caminhos a serem seguidos pelos governantes.
A maioria das críticas, ou melhor, dos ataques, veio de membros do nosso próprio partido. E não foi do militante lá na ponta ou de alguém que votou e contribuiu, de alguma forma, talvez desgostoso com algum fato menor ou desentendimento com alguém dos quadros governamentais. O antagonismo veio de figuras de proa do PSB, que antes mesmo da intervenção ou do golpe, já atacavam o governo, secretários e o governador. Cheguei a ser severamente criticado em entrevistas e redes sociais simplesmente por dar continuidade ao projeto do PSB, por sequenciar obras e realizações que não foram concluídas até 31 de dezembro de 2018 e muitas dadas como concluídas e inauguradas. Mantivemos nomes e continuamos todos os programas e projetos do governo anterior, incorporando novas visões e atores sociais. Mantive grande parte da equipe anterior, mesmo assim, pelo fato de ter realmente assumido as funções de governador do Estado, tomando minhas próprias decisões, com possíveis erros e acertos, não foi do agrado de alguns que achavam que continuariam a governar a Paraíba. Convivi nesse período com boicotes e sabotagens internos à gestão, promovidos por alguns que apegados a funções e salários não tiveram a dignidade de entregar seus cargos, agindo ou não sob algum tipo de comando superior.
Confesso que ainda não entendi o porquê disso tudo. Quais objetivos se escondem, se é que existem ou foi de ato impensado, para a semeadura de tanta discórdia em uma legenda que venceu as eleições de forma consagradora e transformou-se na maior agremiação partidária do Estado. Mas como a vida é feita de ciclos, iniciaremos uma nova caminhada a partir de hoje. Quero agradecer aos inúmeros convites que tenho recebido, de dirigentes estaduais e nacionais, para ingressar em uma nova legenda. Não abri diálogo e nem avancei em qualquer tratativa, ante minha filiação anterior ao PSB. Mas irei fazê-lo neste final de ano, a fim de iniciar 2020 em uma nova e acolhedora casa. Não pretendo criar novo partido ou seguir modismos oportunistas. Irei mudar de partido porque o meu atual desconfigurou-se por completo na Paraíba. Mas os princípios e o conjunto de ideias em que acredito caminharão sempre comigo. Vou procurar uma legenda que se afine com nossa visão de mundo e de Brasil, que não seja sectária, dona da verdade, que não exerça patrulha ideológica e refute alianças programáticas. Também que não flerte com o extremismo, com o fanatismo político, seja de direita ou de esquerda, nem tampouco pratique a idolatria personalista. Que os discursos para dentro sejam os mesmos para fora. Que a verdade seja sempre o que norteie as decisões e que o dinheiro público seja respeitado. A partir de hoje, vou consultar muitos dos amigos e amigas que esperaram por essa decisão para que a tomemos em conjunto porque, ninguém, sozinho, é dono da verdade. Democracia, sempre! Ditadura, nunca mais!”