Nonato Guedes
Era o dia 19 de junho de 1989 quando o então governador Tarcísio Burity reuniu a imprensa na sede da Oce-PB, na avenida Coremas, em João Pessoa para contar que estava escrevendo uma carta ao senador Humberto Lucena, presidente estadual do PMDB, pedindo desligamento da legenda em que ingressara em 1986, tendo sido adotado como candidato a governador na vaga do próprio Lucena. “A partir de agora estou sem partido. Infelizmente, o PMDB chegou ao poder comigo mas não soube ser poder”, desabafou Burity, queixando-se que há dois anos vinha sofrendo hostilidades e manobras para prejudicar a governabilidade. O fim do casamento de conveniência entre Burity e o PMDB foi tratado pela crônica local como o fato político do ano.
Na prática, deu-se uma peça em dois atos que começou a ser encenada em São Paulo, no dia 17, no Caesar Park Hotel, durante conversa de Burity com jornalistas paraibanos que o acompanharam, a convite, para o lançamento do livro “Erundina, a mulher que veio com a chuva”, do jornalista José Nêumanne Pinto. Burity deu a senha aos jornalistas afirmando: “Ou o PMDB para de me hostilizar ou eu abandono o partido”. O gesto do governador provocou verdadeira reviravolta política no Estado e acarretou um congestionamento nas linhas telefônicas, sobretudo para Brasília, onde o senador Humberto Lucena, perplexo, tentava decifrar o significado da decisão e até mesmo obter confirmação da notícia divulgada em primeira mão pela TV Cabo Branco.
O rompimento encerrava uma fase de atribulada convivência entre Burity e o PMDB iniciada em 86 quando ele se filiou na undécima hora dos prazos legais de desincompatibilização e mais tarde impôs-se como candidato do partido ao governo do Estado. Ao recapitular o histórico do rompimento, o governador situava o pós-eleitoral como limite, quando, segundo ele, o PMDB se julgou dono da vitória de Burity, que obteve quase 300 mil votos de maioria sobre Marcondes Gadelha (PFL) e considerava-se o grande autor do feito. Justificava Burity que enquanto ele se elegeu com prestígio para o cargo majoritário, o PMDB não conseguiu fazer maioria nas eleições proporcionais – originalmente elegeu 17 deputados de um total de 36, e nos primeiros meses de mandato chegou a 18 com a adesão de Pedro Medeiros. O derradeiro capítulo foi motivado pelas dificuldades de Burity para partilhar o poder com um grupo de cinco deputados do PMDB, responsáveis por uma dissidência vitoriosa na eleição à Mesa da Assembleia, quando João Fernandes da Silva derrotou Ramalho Leite, apoiado pelo governante. Na sequência, tais deputados evoluíram parra uma posição aberta de confronto, rejeitando até matérias de interesse público encaminhadas pelo governo.
Burity confessou que estava se sentindo encurralado pelo partido na sua ação administrativa e, embora considerasse correto o comportamento do senador Humberto Lucena, deu a entender que foram infrutíferas as gestões do parlamentar par mediar um entendimento entre governador e dissidentes. “Não tenho temperamento para ficar nessa conversa mole”, reagiu o chefe do Executivo, informando que os dissidentes acertavam uma coisa com Humberto e faziam outra em plenário. “No final das contas, a Paraíba é quem sai prejudicada”, resumiu. Os peemedebistas queixavam-se que Burity havia estimulado o PL como um partido alternativo para se desvencilhar de compromissos com o PMDB e, ainda por cima, desembarcou da candidatura de Haroldo Lucena a prefeito de João Pessoa em 88, apoiando João da Mata, do PDC. “Não fui ouvido sobre a escolha do candidato”, rebateu Burity.
O então governador jurava ter sempre prestigiado o PMDB na administração estadual, sem, no entanto, ser correspondido. Referindo-se aos inúmeros cargos abocanhados por peemedebistas, da Capital ao interior, Burity indagava: “O que eles querem mais? A minha cadeira de governador? Isto só vão conseguir se tiverem votos, se fizerem o esforço que eu fiz para me eleger em 86”. A bancada federal do PMDB, em meio ao fogo cruzado, divulgou nota qualificando como improcedente s insinuação de que estaria articulada com a bancada estadual para prejudicar os interesses do governo da Paraíba. “Só acredito no rompimento depois de receber a carta”, chegou a proclamar Humberto, numa última tentativa para minimizar o conflito. Humberto não só recebeu a carta como foi avisado de que Burity permaneceria à frente do governo até o último dia do mandato. Alguns dos desabafos de Burity em plena tempestade: 1)Humberto é correto ,as se deixa levar muito por esse pessoal fisiológico do PMDB; 2) Não sei fazer política na base de favores, da coisa miúda; 3) As audiências com deputados são um martírio. Só sai pedido de emprego ou de favores. Um dia de audiência é um dia de prejuízo para o Estado. 4) Só duvida que eu fique no governo até o fim quem quer. Para sobreviver, não preciso de emprego de governador. Renunciei a meus vencimentos como governador porque posso passar sem eles; 5) O PMDB reclama de barriga cheia e eu já fui calmo demais nesses dois anos”.