Nonato Guedes
Da mesma forma como o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) chamou de desleal e incorreta a atitude do governador João Azevêdo, rompendo com o partido pelo qual se elegeu em 2018, no ano de 1989 o senador Humberto Lucena, presidente do diretório regional do PMDB, disse que não havia outra forma de qualificar o rompimento do então governador Tarcísio Burity com o partido senão tratá-lo como um ato desleal. Na sequência, desabafou que Burity, aliás, era useiro e vezeiro em mudar de partido, “tal qual camaleão que muda de cor”. Historiou, então, que Burity começara na Arena, mudou-se para o PDS, saiu para o PFL, foi para o PTB, ingressou no PMDB e cogitava ir para o PRN. “Nenhum político paraibano transitou por tantas legendas. Ele não tem nenhum espírito público e só sabe usar as agremiações a que se filia em seu proveito próprio”, acrescentou Lucena, perplexo com o rompimento.
Burity havia ingressado no PMDB em 1986, na undécima hora dos prazos legais de filiação para a disputa ao governo do Estado. O candidato natural era o próprio Humberto, que enfrentou problemas de saúde e ficou internado por alguns dias no Incor, em São Paulo. De lá, enviou proclamação à Paraíba abrindo mão da postulação ao governo, recomendando a unção de Burity e pedindo um voto de confiança para voltar ao Senado. A relação entre Burity e os políticos peemedebistas foi, porém, bastante conturbada, culminando na decisão do governador de se desfiliar da legenda, o que fez em carta endereçada ao senador Humberto Lucena, cuja primeira cópia não chegou às mãos deste. “Ele (Burity) é ávido em se promover, apressado nas suas conclusões e cultor do oportunismo político”, reagiu Humberto numa entrevista à revista “A Carta”, de Josélio Gondim.
No desabafo, antes de dar a público a Carta Aberta aos Paraibanos, Humberto Coutinho de Lucena, já falecido, disparou: “Se arrependimento matasse, eu já estaria morto. Recebi-o (a Burity) no meu partido, o PMDB, como um soldado raso, em 1986, e fiz dele o candidato deste mesmo partido ao cargo de governador, abrindo mão da minha candidatura. Agora ele quer destruir o partido que o elegeu, com intrigas e falsas versões”. Lucena não escondeu seu desconforto com um dos tópicos da carta de Burity, publicada pela imprensa, em que o então governador dizia ser o PMDB um partido incompetente. “Ora, um partido que sustentou durante mais de vinte anos uma luta desigual contra a ditadura e que foi para a praça pública defender as Diretas-Já, possibilitando a transição sem derramamento de sangue, não pode ser tachado de incompetente.Salvo quando o fez candidato a governador da Paraíba”. No seu raciocínio, Humberto alegava que um partido que elegeu 22 dos 23 governadores, fez a maioria na Câmara Federal e nas Assembleias Legislativas estaduais, teria eleito também na Paraíba outro nome que não Burity. “Ronaldo (Cunha Lima), Antônio Mariz ou eu mesmo teríamos sido eleitos. Agora, se ele acha que é o dono absoluto dos votos do Estado, por que não foi candidato pelo PTB?”, questionou Lucena.
O senador também contestou a versão dada por Burity segundo a qual ele não teria pedido para ser candidato ao governo do Estado. “Ele não só pediu como sempre fez força para ser o candidato. Aliás, ele só entrou no partido pensando em ser o candidato. E quem pode dizer melhor do que eu é o seu amigo, o senador Raimundo Lira, que foi quem me aproximou dele”, comentou Humberto. Para Humberto, no processo de rompimento, Burity agia como “um mestre” em manipular os fatos,apresentando-os à opinião pública na versão que lhe era mais conveniente. Mas prometia desmistificá-lo. “Sou um homem honrado e toda a Paraíba sabe disso. Não tenho rabo de palha e não temo qualquer devassa em toda a minha vida pública. Ganhando ou perdendo, liderando pesquisas ou abaixo delas, o meu comportamento tem sido um só, muito ao contrário do governador”. Enfim, Humberto Lucena, que não escondia de ninguém o seu profundo desapontamento com o comportamento de Tarcísio de Miranda Burity (também já falecido) acusava o então governador de incoerência diante de compromissos que deveria honrar na vida pública e de personalismo, rompendo com o seu partido para apoiar um outro candidato nas eleições a prefeito de João Pessoa em 1988. “O governador está se tornando conhecido como um homem que, além de não cultivar os vínculos partidários, também não o faz em relação às amizades pessoais”, arrematou Humberto Lucena. Em 1990, o PMDB voltou ao poder na Paraíba com a eleição de Ronaldo Cunha Lima em segundo turno, derrotando Wilson Braga. Burity lançou a candidatura do deputado João Agripino Neto, que, no segundo turno, fechou com a candidatura de Ronaldo, enquanto o governador cruzava os braços e assistia, da Granja Santana, o desenrolar das apurações na Paraíba que consagraram Cunha Lima.