Nonato Guedes
A fuzilaria despejada pelo ex-governador Ricardo Coutinho e pelo presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, pedindo na Justiça o mandato do governador João Azevêdo e a devolução de mais de três milhões de reais que teriam sido drenados para a estrutura da campanha majoritária, cria na opinião pública a sensação de que ela foi lograda pelo próprio Ricardo e pela direção superior da legenda sobre as virtudes que teriam composto o enredo da eleição de 2018, vencida em primeiro turno por Azevêdo tendo como vice a doutora Lígia Feliciano, do PDT. Ou seja: quer dizer que era tudo mentira ou “pantomima” aquela discurseira toda levada aos palanques e girando em torno de continuidade do “projeto”? Em outras palavras: qual seria mesmo o “projeto” que estava sendo vendido, de forma camuflada, ao eleitorado paraibano? O da “Operação Calvário”? Ou o projeto efetivo de continuidade de supostos avanços que pontuaram a Era Ricardo?
Não cabe, a esta altura da autofagia que domina o PSB, entre os que estão no comando absoluto, como Ricardo e Siqueira, e os remanescentes compulsórios (deputados e líderes com mandatos que, por causa da camisa de força da legislação partidária não podem migrar para outra legenda senão perdem os mandatos conquistados a céu aberto) execrar o governador João Azevêdo porque pediu desfiliação por não encontrar espaço de sobrevivência na sigla que abraçou. Além de ter sido autêntico, diante do fogo cruzado, sem trégua, a que ele e seu governo são submetidos, ele tenta, de forma serena, equilibrada, evitar confrontos desgastantes e desiguais a que estaria exposto em prejuízo da responsabilidade e do dever de governar, que é o múnus que lhe compete. Azevêdo não parece disposto a morder a isca para alimentar uma luta fratricida em prejuízo das questões maiores da Paraíba. Depois de empossado, ele não sentiu ambiente propício para governar com autonomia, dada a onipresença de Ricardo nos seus calcanhares, querendo governar por controle remoto como se ainda estivesse no Palácio da Redenção.
A opinião pública tem uma clareza meridiana dessa situação artificial que é provocada por quem perdeu as credenciais para continuar mandando no governo, como se a passagem pelo poder fosse eterna. Ricardo Coutinho, que atira para todos os lados, distribui senhas de traidores a quem julga conveniente, não vem a público explicar as razões que o levaram a permanecer no exercício do governo até o último dia do mandato, sem concorrer a um mandato de senador que, pelos seus cálculos, era “favas contadas” para ele, sem fazer qualquer esforço, limitando-se a esperar a comunicação de que fora ungido porque é o grande líder, o condutor das massas. Na época, deixou claro que permaneceria até o fim no Palácio porque não confiava no grupo da vice-governadora Lígia Feliciano, que, nas suas palavras, preparava a montagem de um governo paralelo ao seu. Coutinho não permitiria essa manobra, que equivaleria a solapar a sua autoridade. Para dourar a pílula, forjou a tese de que não precisa de mandato para fazer política – o que todo político sem mandato diz, convenhamos.
E o que se viu, na sequência estonteante dos passos ensaiados por um governador que perdera o controle da situação e já não tinha mais margem de manobra para retroceder no que fizera? O que se viu foi Ricardo Coutinho nos palanques, em comícios a céu aberto, dando as mãos a João Azevêdo e a Lígia Feliciano, deixando-se fotografar ao lado do casal-candidato alegremente, estampando no rosto a convicção de que “o projeto” teria continuidade. Quem estava mentindo? Ricardo, que acusou os Feliciano de montar um governo paralelo, ou João e Lígia, que perseveraram no projeto e nunca deixaram de enaltecer a figura de Coutinho como o “grande mentor”, o Mao-Tsé-Tung da Longa Marcha empreendida no rumo do socialismo tupiniquim?
Pode parecer tola ou bobinha mas anda circulando por aí, em rodas políticas onde prevalecem o fosfato e o espírito público, que a “ficha” de Ricardo começou a cair quando se anunciou que o pleito estava decidido em primeiro turno e que a chapa João Azevêdo-Lígia Feliciano estava consagrada. Não era bem este o desfecho com que sonhara o ex-governador, senhor de baraço e cutelo, dono dos cordéis do partido chamado PSB e de uma influência desmesurada nos primeiros dias do governo Azevêdo, a ponto de manter nos seus cargos os remanescentes da Era que ele instalou e que a seu ver teria demarcado etapas de invenção e reinvenção da Paraíba. Com o cerco se fechando e com Azevêdo reagindo às pressões para sucumbir ao comando absolutista de Coutinho, não restou ao ex-governador e a seus liderados tumultuar o governo, remexer nas eleições, tendo o cuidado de não avançar pelos fantasmas que só o Gaeco e o Ministério Público conhecem em profundidade. A falta de grandeza é um dos piores defeitos do político. Ricardo Coutinho incorporou esse condimento à sua personalidade mercurial, oscilante no humor e nas posições.