Nonato Guedes
O livro “Como penso”, lançado, ontem, pelo acadêmico, empresário e ex-senador Roberto Cavalcanti consagra a versatilidade do pernambucano que adotou a Paraíba e por ela foi acolhido como um filho genuíno. É um extrato riquíssimo da sua prosa envolvente transplantada para mais de mil artigos, crônicas ou comentários publicados ao longo de uma década nas páginas do “Correio da Paraíba”, o único jornal impresso da iniciativa privada que sobrevive em nosso Estado graças ao arrojo, à audácia, ao empreendedorismo de Roberto. O ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, que faz o prefácio, definiu bem, ontem à noite: Roberto é um homem de múltiplas facetas, e é isto que o torna universal sem romper o cordão que o prende às suas aldeias, espraiadas entre Pernambuco e Paraíba.
As facetas de Roberto? O ministro resume ao acaso: um provinciano que paradoxalmente é cidadão do mundo, um saudosista antenadíssimo com tudo quanto há de novo, um vocacionado para as descobertas e os desafios, um observador atento e especioso do caleidoscópio de fatos que compõem o cotidiano, tanto que salta com desenvoltura, no livro, de um texto aparentemente árido sobre economia, para reminiscências saborosas de sua vida familiar, “do homem de gestos, do marido, do pai, do avô preocupado em sê-lo bem…do sujeito que conhece peixes e quer a melhor receita para prepará-los. Do fã do milho assado, da canjica, do pé de moleque, do bolo Souza Leão, do caldinho, do churrasquinho, do arrumadinho, mas também da alta gastronomia”, ainda no dizer do ministro Ribeiro Dantas.
Roberto se emociona, nos seus escritos, com os versos de grandes poetas e escritores nacionais e estrangeiros, sem deixar de reservar lugar, na sua estante, para o cordel e a cantoria popular. Aprecia o bom forró pé de serra e…Paul McCartney. Impressiona-se com o equilíbrio da artista japonesa cuja habilidade busca trazer para dentro da própria vida. Residindo na Paraíba há quarenta anos, Roberto Cavalcanti escolheu criar aqui filhos e netos, deixa clara a consciência que tem de que empregou todas as suas energias e atenções para honrar este pedaço de chão. Afastado dos negócios, não conseguindo misturar as coisas, mergulhou na necessidade de por no papel o que pensava. “Sempre cercado de enriquecedoras convivências, procurei ter uma participação efetiva nesse cosmo. Sou intenso no que faço”, atribui-se ele para justificar a necessidade que teve de compartilhar suas opiniões pelo desejo de tentar se aproximar da perfeição, ou do correto. “Meus textos são fruto do que percebo, do que sinto, do que penso, com forte dosagem contributiva das ideias e das correções dos que me cercam”, adianta.
Extremamente criterioso, disciplinado e dono de uma autocrítica invejável, que não se incomoda, pelo contrário, aprecia o contraditório, Roberto Cavalcanti é uma figura singular, que carregou pedras para se firmar com louvor e mérito no cenário paraibano nas diferentes esferas de atividade por onde tem transitado – não fosse ele um polivalente, eternamente acossado pela curiosidade de saber, de ler, de se informar melhor, de estar atualizado sobre qualquer assunto que lhe seja submetido. Quando ingressou na Academia Paraibana de Letras, por votos dos pares, houve muxoxo de dois ou três expoentes do recalque, da frustração, questionando suas “virtudes excelsas” para adentrar na imortalidade. Surpreendeu a todos – vive surpreendendo sempre – quando se revelou um confrade à altura das tradições da Casa. Chegou para honrar essas tradições, não para desmerecê-las. E, bem ao seu estilo, deixou para agora, já refestelado na cadeira de imortal, a apresentação da sua obra-prima. O “Como Penso”, de Roberto, com a assinatura editorial inconfundível do mestre Juca Pontes, é a suma vinculante de um homem senhor do seu tempo, contemporâneo das evoluções, explorador de mais de sete mares. E, ao mesmo tempo, coberto de emoções à flor da pele, que nem dissimular tenta. É o seu batismo de fogo, sem dúvida.
Reponta, ainda, na personalidade instigante de Roberto Cavalcanti, o sentimento de nordestinidade, combinado com o sentimento de paraibanidade. Diz ele, citando Mestre Vitalino, Flávio Tavares, Oliveira de Panelas, Patativa do Assaré, Luiz Gonzaga e Ariano Suassuna: “São nordestinos, expoentes de uma região predestinada a ser celeiro cultural do país. O Nordeste precisa continuar a apresentar ao Brasil sua riqueza cultural”. Ao ver Roberto mourejando nos caminhos da literatura, tão íntimo das palavras e da prosa, ocorre-me a lembrança de Antônio Barreto Neto, a quem substituí como correspondente do jornal “O Estado de São Paulo” em João Pessoa. Reconhecidamente um dos melhores críticos e “experts” em cinema na pequenina Paraíba, consultou-me a Redação do Estadão se haveria problema em manter Barreto como autor de ensaios nas páginas do diário dos Mesquita. “Haverá problema se vocês perderem Barreto”, respondi, sem conter o entusiasmo: “É o melhor crítico de cinema que o Brasil tem”. Barreto escreveu até quando pôde, no jornal em que militei ao lado de grandes nomes do jornalismo e da literatura nacionais. Roberto nos representa, aqui e em todo o Brasil, podem ter certeza. Ave Nordeste, ave Paraíba!