Nonato Guedes
Hoje, a partir das 20:30h, no Teatro Pedra do Reino em João Pessoa será a apresentação mais aguardada do ano – a do cantor e compositor Roberto Carlos, o “rei”, tido por Chico Buarque de Holanda como “o mais moderno dos cantores românticos”. Em ensaio que foi editado pela Publifolha, da “Folha de São Paulo”, Oscar Pilagallo, autor de “A História do Brasil no Século 20”, observa que Roberto quase nunca escreveu músicas de teor político e que talvez a única exceção seja “Verde e Amarelo”, para saudar a Nova República, em 1985, quando Tancredo Neves foi eleito presidente no colégio eleitoral indireto mas morreu antes de tomar posse, sendo substituído por José Sarney.
– No entanto – descreve Pilagallo – é possível, a partir das canções de Roberto Carlos, montar trilhas sonoras para 50 anos de história do Brasil. Para mencionar um único exemplo, “Eu Sou Terrível”, sucesso da Jovem Guarda, acabaria associado ao filme O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006), de CaoHamburger, que tem como pano de fundo a outa armada dos anos 70. O auge de Roberto Carlos, aliás, coincide com a ditadura militar. “Não há relação entre uma coisa e outra – e isso precisa ser dito com todas as letras porque o cantor enfrenta críticas pela atitude conformista desde os tempos do iê-iê-iê. Mas é um fato: seu primeiro grande sucesso, “O Calhambeque”, data de 1964, e um dos últimos da fase áurea, “Caminhoneiro”, é de 1984.
Oscar Pilagallo recapitula que antes de 1964 Roberto Carlos era apenas um jovem promissor em formação, saído de Cachoeiro do Itapemirim, Espírito Santo, onde teve lições de música e de vida que jamais esquecerá, para o mundo. Foi expoente do movimento artístico de impacto denominado “Jovem Guarda”, ao lado de Erasmo Carlos, Wanderléa e tantos outros artistas. Foi nessa fase que gostar de Roberto era, para os que se sentiam patrulhados, um “vício secreto”, segundo o produtor e crítico de arte Nelson Motta. O auge da inspiração de Roberto se deu no papel do intérprete perfeccionista, que faz a passagem do “soul” para as baladas românticas dos anos 70. Haveria, mais adiante, um declínio na produção musical de Roberto. Envolveu-se numa polêmica da qual saiu desgastado, ao apoiar a censura ao filme JeVousSalue, Marie, em 1986, tendo enviado um telegrama ao presidente José Sarney cumprimentando-o pela medida. No entanto, essa é também a fase em que o cantor se supera e, nos shows, amparado pelo repertório dos anos anteriores, sustenta o sucesso de uma carreira que o levou a vender mais de 100 milhões de álbuns no mundo todo, o único latino a atingir tal marca. Já no amadurecimento, Roberto Carlos é recepcionado por novos intérpretes e jovens roqueiros. Diz Pilagallo: “A geração Coca-Cola de que falava Renato Russo entrava em campo para reverenciar o rei, aquela espécie de guaraná. Isso é o que é”.
“Roberto Carlos é uma espécie de guaraná” foi uma metáfora utilizada por Caetano Veloso e, resposta a um crítico que falara em laranjada. Para Pilagallo, a metáfora de Caetano reveste o artista mais popular da música brasileira de um atributo que, embora central em sua vida e obra, lhe tentaram frequentemente e indevidamente confiscar: a brasilidade.” Em sua essência, mais que um artista brasileiro, Roberto Carlos é uma expressão do Brasil. Para o escritor Affonso Romano de Sant’Anna, seria um erro analisar a qualidade poética de Roberto Carlos sem levar em conta a totalidade do fenômeno. “O significado de Roberto Carlos dentro do cotidiano brasileiro faz com que gostemos dele, independentemente de um julgamento literário sobre a sua produção”.
Um alienado político? Não. Roberto apenas nunca foi um engajado em movimentos ou partidos. Mas não deixou de dar recados ao seu modo à própria ditadura, como quando visitou Caetano Veloso e Gilberto Gil em Londres, quando estavam exilados por força da ditadura militar. E ainda compôs a música em homenagem a Caetano – “debaixo dos caracóis dos seus cabelos”. Na raiz do respeito que se confere a Roberto Carlos está o carisma excepcional do artista. Ele não foi o primeiro grande ídolo da música brasileira(Orlando Silva-1915-78), a seu tempo, desfrutou igualmente de enorme popularidade. Mas foi o primeiro a atuar num ambiente dominado pela cultura de massa que surgiu com o fortalecimento da televisão e do mercado de consumo, especialmente o segmentado para jovens. Pilagallo diz que é de Sant’Anna a melhor síntese de Roberto Carlos: “Ele é o lado kitsch dos ouvintes mais sofisticados e é o lado mais sofisticado dos ouvintes mais kitsch. É uma espécie de herói popular. Na realidade, como talvez nenhum outro artista, Roberto Carlos é capaz de conciliar quantidade e qualidade, atravessando com desenvoltura a ponte que liga o Guiness ao Grammy”.