Nonato Guedes
Jornalistas costumam pagar por ter cão e por não ter cão. Quando não especulam ou deixam de sapecar uma pitada de surrealismo sobre certos fatos ou certas pessoas, por exemplo, são tidos como insossos, insípidos ou inodoros, dependendo do paladar do leitor (leitora). Já quando avançam no terreno da imaginação, sem limites, são encarados com desconfiança. Mas o fato de montar cenários como quem constrói castelos de areia não põe em xeque a credibilidade do profissional de comunicação, que recorre a esses sortilégios para predizer situações, fazendo o papel de pitonisas. No fundo, jornalismo é muito misturado com a literatura romanceada, o que dá margem à criatividade em suas variadas facetas. O importante é que o leitor não seja logrado nunca, na relação de confiança que decide manter com articulistas da imprensa.
Dei essa volta olímpica (antigamente dizia-se: fiz esse nariz de cera) para sugerir ao público leitor uma projeção em torno de cena que, a dados de hoje, é impossível de acontecer: ver-se o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) pedindo uma audiência ao governador João Azevêdo (ex-PSB, atualmente sem partido). A causa? Tratar de assuntos relevantes de interesse da população de João Pessoa. O ambiente – já deu para perceber – é cogitado na perspectiva de Ricardo vir a ser candidato a prefeito da Capital no próximo ano (há dúvidas quanto a isso), eleger-se com folga e, já empossado, recorrer ao governo do Estado em situação de emergência cujo concurso requer obrigatoriamente parceria com a administração estadual. Qual seria o desfecho de um episódio de tal magnitude?
Pequena recapitulação que o assunto pede: Ricardo e Azevêdo foram aliados incondicionais até o começo de 2019, que está se despedindo. Como prefeito de João Pessoa, eleito duas vezes, Coutinho lançou mão do talento e da competência técnica de Azevêdo para fazer deslanchar projetos de impacto para acelerar o processo de desenvolvimento da metrópole paraibana. Carregado pela maioria dos eleitores até o Palácio da Redenção, em duas eleições, lá estava Ricardo buscando os préstimos de Azevêdo, o “outsider” político, para formatar projetos de repercussão que estavam na cabeça do governador e precisavam de um retoque em cima da prancheta. Consta que a parceria foi muito bem-sucedida, de tal sorte que Azevêdo ganhou confiança e passou a ser listado como candidato “in pectoris” de Ricardo, ora para prefeito, ora para governador.
Tudo começou a desandar quando, ungido nas urnas em primeiro turno na eleição de 2018 como governador, Azevêdo começou a desenhar um projeto administrativo autônomo, sem prejuízo da continuidade que, aqui e acolá, fosse dada a iniciativas que começaram na Era Ricardo. Ainda houve um clima mínimo de convivência enquanto Coutinho analisava com lupa os primeiros atos e os primeiros passos do sucessor. João insistia em que o governo era de continuidade, mas na prática era forçado, por fatores supervenientes, como a Operação Calvário, a se desviar desse pacto sob pena de não governar. Era a hora de cortar os laços – uma hora sempre crucial, dolorosa. Ricardo não absorveu o enredo que passou a ser posto em ação. Deu o grito de guerra, praticamente expulsou Azevêdo do PSB e virou crítico número um da gestão que, havia poucos meses, ajudara a eleger, garantindo ao eleitor que era a salvação para evitar a destruição do Estado.
As coisas estão nesse pé: uma reconciliação absolutamente impossível e, para além disso, a perspectiva de um enfrentamento entre Criatura e Criador, ainda que por vias transversas, no primeiro embate eleitoral que reponta no calendário – as eleições municipais de 2020, com ênfase para a prefeitura da Capital paraibana. Eis que, aí, entra um outro lado da moeda. Quando governador, Ricardo foi pródigo em negar audiências a prefeitos de João Pessoa e Campina Grande porque não rezavam pela sua cartilha e, também, porque estava deslumbrado com a sensação de poder que passara a empalmar, com a aura de líder inconteste de que se achou possuído ou imantado. Muitas parcerias que teriam sido valiosas foram jogadas no lixo em nome dessa radicalização empedernida.
Por essa época, fez muito sucesso a expressão ”relação republicana”, cultivada por presidentes da República no tocante a governadores de Estados e por governadores estaduais no referente a prefeitos municipais. A “relação republicana”, na grande maioria das situações, era coisa para inglês ver. Ou, então, como se diz lá no Sertão, não passava de conversa para boi dormir. Políticos, mesmo quando pegos no flagrante ou na mentira, insistem em jurar que são coerentes. Volta-se à demanda que originou este artigo, acrescida da pergunta: Ricardo, uma vez eleito (se for eleito) pedirá audiência a Azevêdo? Aceita-se aposta!