Heitor Peixoto, do “Congresso em Foco”
Pela Companhia das Letras chega ao mercado editorial brasileiro, quinze anos após o primeiro lançamento, a reedição de “Castello: a marcha para a ditadura”, do jornalista e escritor Lira Neto. A obra já desperta interesse de políticos, historiadores e outros segmentos sociais. Para o autor, o interesse é renovado por causa da “incômoda atualidade” da conjuntura instaurada em 1964. São 400 páginas com riqueza de detalhes e novas informações acerca do personagem. São 400 páginas e Lira Neto é autor de outras biografias icônicas, como a trilogia sobre Getúlio Vargas. Lira Neto recorreu, em primeiro lugar, ao arquivo do próprio biografado, que está sob a guarda da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, a Eceme, no Rio de Janeiro.
O escritor revela que contou, também, com preciosa ajuda do brasilianista John Foster Dulles, que escreveu dois livros sobre Castello Branco, publicados na década de 1970. Em vigoroso prefácio, a cientista política Heloísa Murgel Starling alerta que “Castello não fornece nenhum instrumento capaz de prever os acontecimentos políticos do nosso tempo e, convém anotar, nem esse é o objetivo de Lira, que, por sua vez, diz que analisa o presente em perspectiva. Ele acha importante compreender as motivações do golpe civil-militar e o modo como a caserna tem se comportando ao longo dos 130 anos de República. A respeito da conjuntura atual, ele afirma: “Penso que todos nós que trabalhamos na área da cultura, da arte, da educação e do conhecimento fomos eleitos pelo bolsonarismo como alvos prioritários da guerra semiótica posta em curso. Um governo fundamentado no ódio, na mentira, no obscurantismo e na ignorância é incompatível com o pensamento crítico, livre e criativo. Daí, a estratégia de tentar tolher as inteligências, as sensibilidades e os afetos”.
De acordo com Lira Neto, hoje já não se tratam mais de ameaças, mas de ações políticas coordenadas para minar a democracia e conspurcar os pesos e contrapesos das instituições políticas. Explica: “A cada nova ofensiva contra os direitos dos trabalhadores, a cada agressão contra as minorias, a cada atentado oficial contra a autonomia universitária, por exemplo, o campo democrático se esgarça. A escandalosa poliização do Judiciário também trabalha no mesmo sentido”. O escritor propõe que para fazer frente a retrocessos oriundos do governo de Bolsonaro é preciso ter a capacidade de saber reagir de forma efetiva ao avanço do obscurantismo. “Não devemos nos deixar apanhar na armadilha das bombas semióticas, de não cair nas táticas diversionistas postas em ação por ministros toscos e provocadores, que agem como bufões e bobos da corte para encobrir aquilo que realmente está em jogo: um perverso projeto de desmanche social e econômico de todo um país”.
– Mais do que qualquer coisas, precisamos transformar nossas perplexidades em ação. Apostar na arte, na inteligência e na alegria não significa alhear-se da participação política, voltar-se para o próprio umbigo, adotar uma atitude individualista e um conformismo ingênuo. Muito pelo contrário. Sabotar este projeto ideológico tenebroso e sua necro política pressupõe construir pontes de diálogo e de mobilizações coletivas. Castello Branco foi eleito por 361 pessoas num colégio eleitoral quando a população já ultrapassava 70 milhões. Castello Branco agradeceu a “expressiva votação que obtivera”. O livro de Lira Neto foi publicado pela primeira vez em 2004, no marco dos 40 anos do golpe militar. A reedição do livro já estava contratada há algum tempo pela Companhia das Letras, que está colocando de novo em catálogo alguns dos primeiros livros de Lira, até então esgotados, a exemplo do que fez no ano passado com “Maysa: Só numa multidão de amores. A atualidade da obra é reforçada por declarações como a do ministro da Economia, Paulo Guedes: “Não se assustem se alguém pedir o AI-5”, que completou 51 anos no último dia 13.