Nonato Guedes
Embora a campanha eleitoral de 2018 tenha sido oficialmente encerrada com a proclamação dos eleitos, a partir do novo presidente da República, Jair Bolsonaro, todo o ano de 2019 foi pontuado pela permanência dos palanques e pela extrema radicalização entre direita e esquerda, envolvendo discípulos do capitão reformado e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que fechou o firo ganhando liberdade, namorada nova e passaporte diplomático para viajar para onde quiser. Na verdade, o ano que está se encerrando foi uma espécie de aquecimento para a nova polarização que está a caminho, no pleito municipal de 2020, quando estarão em jogo prefeituras de Capitais importantes, de cidades médias e cidades pequenas em todo o país.
Uma pesquisa divulgada pelo instituto Datafolha sobre intenções de votos para a prefeitura do Rio de Janeiro no próximo ano é emblemática da atmosfera que vai reinar. Reprovado por 72% da população, o prefeito Marcelo Crivella, pastor evangélico, está sem fichas para concorrer a um novo mandato. Os favoritos na disputa são o ex-prefeito Eduardo Paes, do DEM, e o deputado federal Marcelo Freixo, do PSOL. Em todos os cenários do levantamento de intenções de votos, Paes e Freixo aparecem tecnicamente empatados, enquanto Crivella (Republicanos) aparece distante dos dois primeiros colocados e com uma alta rejeição.
No primeiro cenário, com dez candidatos, Paes figura com 22% das intenções de voto, empatando tecnicamente com Freixo, que marca 18%. Crivella vem no segundo pelotão, em terceiro lugar, com 8% – um empate técnico com outros candidatos como Marta Rocha (PDT), que marca 7%, Eduardo Bandeira de Mello (Rede), que tem 6% e Benedita da Silva, do PT, que aparece com 4%. Nos bastidores, o PT e o PSOL costuram uma aliança entre Marcelo Freixo e Benedita. A lista segue com Alessandro Molon, do PSB, Rodrigo Amorim, do PSL e Clarissa Garotinho, do PROS, registrando 2% das intenções cada. Fred Luz tem 1%, brancos e nulos somam 25% e 2% dos entrevistados disseram não saber em quem irão votar. Um fato curioso é o disparo da reprovação do prefeito Crivella. Mas o baixo índice de intenção de votos dele é justificado por sua alta rejeição.
A pesquisa Datafolha apontou que o número daqueles que enxergam negativamente a prefeitura do bispo evangélico é elevado. Em outubro de 2017, com dez meses de mandato, 40% dos eleitores consideravam a gestão de Crivella como ruim ou péssima. Esse número foi a 61% em março deste ano e chegou a 72% no novo levantamento – um crescimento da ordem de 32% em dois anos. Apenas 8% da população considera a gestão de Crivella como ótima ou boa. Crivella é um prefeito que não soube se adaptar ao figurino, muito menos captar o “estado de espírito” do carioca (ou fluminense). Brandindo convicções religiosas ortodoxas e ao mesmo tempo excludentes ou segregacionistas ele mesmo afastou de perto de si um apreciável contingente de eleitores em potencial. Como administrador propriamente dito, tem sido um fiasco, não inovando em termos de realizações nem criando áreas de contato com segmentos que espelham a diversidade fantástica, uma característica do Rio de Janeiro.
Para além da calamidade administrativa que marca a gestão de Crivella há o efeito colateral derivado do confronto ideológico esquerda versus direita. Não custa lembrar que o Rio tem sido reduto preferencial do “clã” Bolsonaro, que tem de vereador a deputado federal e a presidente da República. O “clã” conta com o reforço dos chamados “milicianos”, ativistas que disseminam o terror e que estão na alça de mira em meio a suspeitas de ligações com figuras acusadas de envolvimento ou participação no assassinato da vereadora Marielle Franco. A eleição municipal, em regra, é tida como microcosmo de eleições governamentais ou presidenciais. Reflete tendências que vão se cristalizando no âmbito da opinião pública à medida que a corrida eleitoral vai ultrapassando etapas.
Ainda que o pleito do ano vindouro sinalize para um plebiscito das gestões municipais, ele incidirá na preparação para as eleições presidenciais de 2022, em que, por exemplo, o presidente Jair Bolsonaro poderá concorrer à reeleição, dependendo da avaliação que a sociedade tenha dos rumos do seu governo. Um dado a ser levado em conta, no pleito 2020, é a gana de revanche que se apossa do Partido dos Trabalhadores, a partir do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que luta arduamente para consolidar uma narrativa favorável ao PT, depois de tantos reveses enfrentados e de tantos escândalos que mancharam uma das maiores bandeiras da agremiação – a ética, jogada no lixo por mensaleiros e petroleiros.