Nonato Guedes
Um dos pensadores mais citados do mundo, o brasileiro Paulo Freire, autor de um pedagógico método de alfabetização de adultos que foi desenvolvido a partir do Nordeste e interrompido quando eclodiu o golpe militar de 1964, voltou a ser atacado gratuitamente pelo presidente Jair Bolsonaro, um capitão reformado do Exército que tem ojeriza à leitura, a artistas e a intelectuais. Desta feita, o capitão carregou nas tintas e tratou Freire como um “energúmeno”, algo como um “endemoniado” ou “boçal” e “imbecil”. A cruzada de Bolsonaro contra Paulo Freire, cuja obra é tratada como bode expiatório da má qualidade do ensino público no país, beira a insensatez. Ainda que possa ser controversa em alguns pontos, a obra do pedagogo e filósofo que foi nomeado em 2012 patrono da educação brasileira é referência quase obrigatória nas discussões mundiais sobre pedagogia.
Uma matéria da BBC News Brasil informa que Paulo Freire é estudado em universidades americanas, homenageado com escultura na Suécia, nome de centro de estudos na Finlândia e inspiração para cientistas em Kosovo. O livro fundamental da obra do educador, “Pedagogia do Oprimido”, escrito em 1968, é o terceiro mais citado em trabalhos acadêmicos na área de humanidades em todo o mundo. Especialistas em educação dizem que a raiz da controvérsia em torno da pedagogia de Paulo Freire não é a sua aplicação em si, mas o uso político-partidário que foi feito dela, historicamente, e mais do que nunca, nos dias atuais. A pedagoga Eeva Anttila, professora da Universidade de Artes de Helsinque, na Finlândia, depõe: “Minha tese de doutorado foi amplamente baseada nos ensinamentos de Paulo Freire. Tenho aplicado seu método de várias maneiras em minha carreira profissional, na prática e na pesquisa”.
Para a finlandesa, a maior vantagem da metodologia de Freire é a abordagem anti-opressiva e não autoritária, a pedagogia dialógica e respeitosa que ele promoveu. “O problema é que suas ideias têm sido usadas para fins políticos, o que, em meu entendimento, nunca foi seu propósito inicial”. Freire tornou-se conhecido a partir do início dos anos 60. Ele desenvolveu um método de alfabetização de adultos baseado nos contextos e saberes de cada comunidade, respeitando as experiências de vida próprias do indivíduo. Aplicou o método pela primeira vez em um grupo de trezentos trabalhadores de canaviais em Angicos, Rio Grande do Norte. De acordo com os registros da época, a alfabetização ocorreu em tempo recorde: 45 dias.
Referência mundial em qualidade do ensino, a Finlândia conta, desde 2007, com um espaço dedicado a discutir a obra do educador Paulo Freire. O Centro Paulo Freire Finlândia fica na cidade de Tampere. “É um hub para os interessados em Paulo Freire e em seu legado para tornar o mundo mais igualitário e justo”, de acordo com a definição da própria instituição. Eles publicaram, online, três livros com artigos, em finlandês, analisando a obra do brasileiro. O material teve 17 mil downloads. Há centros de estudos semelhantes, todos batizados com o nome do brasileiro, na África do Sul, na Áustria, na Alemanha, na Holanda, nos Estados Unidos, em Portugal, na Inglaterra e no Canadá. Na Suécia, Freire é lembrado em um monumento público. Localizada no subúrbio de Estocolmo, “Depois do Banho” é uma obra em pedra-sabão esculpida entre 1971 e 1976 pela artista Pye Engstrom. Sentadas lado a lado, estão retratadas sete personalidades com apelo político, como o poeta chileno Pablo Neruda, a escritora sueca Sara Lidman e a sexóloga norueguesa Elise Ottesen-Jensen.
Em artigo acadêmico analisando o legado de Paulo Freire pelo mundo – que está longe de ser uma unanimidade, o professor de filosofia da educação da Universidade da Califórnia (EUA) Ronald David Glass aponta que o mérito de Paulo Freire está na sistemática que valoriza a consciência crítica, transformadora e diferencial, que emerge da educação como uma prática da liberdade. “Paulo Freire viveu sua vida no espaço desta consciência; é por isso que inspirou e energizou pessoas no mundo inteiro e é por isso que seu legado se prolongará muito além de qualquer horizonte que possamos enxergar agora”, escreveu o professor.
Essa cruzada do presidente Bolsonaro contra o educador Paulo Freire, além de obsessiva, e alimentada pela inveja, segundo a definição da viúva do educador, Ana Maria Freire, constitui uma campanha deletéria, de difamação de um dos mais respeitados pensadores do mundo. É por essa e por outras razões que o ex-presidente Lula, espertamente, ordenou ao PT que passasse a cortejar os círculos intelectuais, a elite cultural e artística brasileira. Lula sabe que a preferência de Bolsonaro está mais para o militar torturador Brilhante Ustra do que para mestres do Saber, como Paulo Freire.