Nonato Guedes
Apesar da solidariedade formal externada pelo presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro, Carlos Siqueira, ao ex-governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, cuja prisão preventiva foi decretada no bojo da Operação Calvário, é evidente que RC está na berlinda perante a cúpula do próprio PSB. Ontem, a coluna “Painel”, da Folha de São Paulo, registrou movimentos incômodos de dirigentes do partido com as acusações imputadas a Coutinho, alguns dos quais chegaram a sugerir uma medida preventiva traduzida no afastamento de Ricardo da presidência da legenda como estratégia para não contaminar outros expoentes do PSB com o desgaste do seu envolvimento na Operação.
O receio da contaminação de quadros por via do desgaste político não traduz juízo de mérito por parte de membros da cúpula nacional socialista sobre culpabilidade presumida do ex-governante paraibano nos episódios que explodiram como uma bomba não apenas no cenário estadual, mas no país, de tal sorte que já reverberaram no âmbito da Câmara dos Deputados, com um acirrado bate-boca entre os deputados Pedro Cunha Lima, do PSDB, em apoio à Operação Calvário, e Gervásio Maia, do PSB, contrito na solidariedade a Coutinho, por cujas mãos adentrou no tapete socialista. No fragor dos acontecimentos, em meio à decretação da prisão de Ricardo e mesmo com este fora do Brasil, em circuito que ontem já se espraiava pela Turquia, Siqueira e outras figuras de expressão do PSB fizeram a defesa, a priori, do seu filiado, externando voto de confiança na comprovação da sua inocência e postulando o respeito sagrado a princípios elementares do Estado de Direito. Esse é o ritual geralmente montado para consumo externo, já que, internamente, o partido procura se acautelar diante de surpresas indesejáveis.
Note-se que não é apenas Ricardo que está sendo inquinado num processo rumoroso que já gastou sete versões de uma operação policial de investigação – praticamente os principais quadros do Partido Socialista Brasileiro foram levados de roldão por “tsunami” com efeito nitidamente político, a exemplo das deputadas Estelizabel Bezerra e Cida Ramos, de um irmão do ex-governador e de ex-secretários que durante quase uma década constituíram a fina flor da aristocracia do poder na Paraíba, ainda que envergando supostos ideais socialistas no trato da coisa pública. Havia a expectativa, alimentada pelo próprio Ricardo, de que ele sairia incólume do fogo cruzado detonado há cerca de um ano e que parece estar chegando ao epílogo a julgar pela denominação sintomática da sétima fase da Calvário – “Juízo Final”, decantado na Bíblia e em letras de músicas consagradas do cancioneiro popular brasileiro. O arrolamento de Ricardo teve forte impacto em razão, inclusive, do prestígio incomensurável que a direção nacional do PSB lhe conferiu em conhecido “affair” com o sucessor no governo, João Azevêdo, praticamente intimado a deixar as hostes socialistas.
Na nota que redigiu durante o “tour” pelo exterior e que se espalhou como catapora nas redes sociais, o ex-governador Ricardo Coutinho questionou a acusação de que seria o chefe de uma organização criminosa especializada em ratear propinas de dinheiro público com agentes do poder, em operação casada com organizações sociais beneficiárias de contratos de gestão pactuada em setores essenciais como a Saúde e a Educação. Para Coutinho, tratou-se de uma acusação genérica, que ele promete desmontar na audiência de custódia a que deverá comparecer, provavelmente munido de pedido de habeas-corpus como reação à decretação da prisão preventiva. O PSB, em princípio, aplica ao seu filiado ilustre a máxima jurídica “in dubio, pro reu”, por carecer de informação que facilite juízo de valor sobre o grau de responsabilidade ou de cumplicidade do ex-governador para com fatos graves de desvio de recursos públicos e de rapinagem dos combalidos cofres estaduais.
A cúpula nacional move-se nesse terreno de areia movediça entre a cruz e a caldeirinha – não quer desconfiar da lisura de um quadro político que tem prestigiado acima de tudo nas quedas-de-braço pelo controle da legenda na Paraíba, mas quer conciliar as coisas com o instinto de preservação da imagem da legenda, que é questão de honra e de sobrevivência, levando-se em conta a dimensão dos próximos embates eleitorais previstos no calendário para 2020 em que os socialistas tentarão ampliar a ocupação de espaços em desdobramento de estratégia nacional para ascender ao Palácio do Planalto. A pergunta que se faz, em meio a tanta narrativa que inunda a imprensa e as redes sociais, é se o PSB nacional irá até o ferimento grave com Ricardo Coutinho, mesmo ao suposto preço do prejuízo do desgaste além-fronteiras da Paraíba, ou se o entregará à própria sorte, acautelando-se para agir de forma profilática quando soar a “hora da verdade” para a agremiação diante do arrazoado do “juízo final” que já se esboça em terras tabajarinas.